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O entrevistado avisa que é leitor. O homem afirma que lê num tempo em que pouca gente se dá a isso. Lê livros. Jornais para se manter informado. É antenado com o mundo.

Ele me pergunta se isso - o fato de ser bom leitor - conta pontos para a possível contratação. Dispõe-se ao cargo vago embora saiba que seu preparo nem será tão importante para a função que desempenhará. É assim hoje em dia.

Está na mídia que duas grandes redes de livrarias estão no vermelho. Juntas devem cerca de 200 milhões. Fecham-se algumas lojas para reduzir o custo. Afinal, já não se lê como antigamente?

Quando não tínhamos internet e celulares o jeito era ler. Nos anos 50 e 60 a televisão engatinhava. Quem morava no interior habituara-se a ver fantasmas na telinha. Antenas nos telhados e mesmo em pontos mais altos próximos das casas. Imagens em preto-e-branco. A imaginação completava o que não se via com clareza.

Então lia-se. Aos 16 de idade eu já conhecia os principais nomes da literatura russa. Aquela “Antologia do Conto Russo”, em vários volumes, era fenomenal. Dostoievsky também. Meu Deus. Não sei dizer quanto às traduções. Consta que os textos não eram traduzidos diretamente do russo. Só há pouco passamos a ter traduções direto do russo de “Os irmãos Karamazov”.

Livrarias em crise. Público leitor reduzido. Muita gente apela para o Kindle. Li pelo Kindle um romance do escritor japonês Haruki Mirakami. Confesso ter sentido a falta do papel. Onde a capa dura? E as folhas? É preciso virar páginas, faz parte do encanto. Mas, o Kindle é bom. Acostuma-se a ele. Dá-se um jeito.

Não sei como anda o mercado de sebos. Talvez em crise. Deixei de frequentar sebos há algum tempo. Talvez pelo desinteresse. Tenho amigos que não passam semana sem visitar sebos. Possuem enormidades de livros. Um deles aposentou-se e decidiu por fim à biblioteca pessoal.

Está faltando no mundo o amor aos livros. É preciso amá-los. Isso descobri ainda muito jovem. Nosso vizinho era um professor que tinha, em casa, pequena biblioteca. Visitei-o, com um tio, pouco antes de ele morrer. Pouco depois aconteceu o óbito. Dois dias depois do enterro eis que vi, na calçada, pilhas de livros que pertenceram ao falecido. A viúva desfizera-se deles, jogando-os fora.

O vizinho falecido identificava seus livros com um carimbo no qual constava seu nome. Guardei um desses livros e, vez ou outra, lembrava-me do vizinho ao folhear as páginas. Mas, o tempo passou. Também eu me desfiz de livros por força de necessidades, entre as quais mudanças para casas menores. Numa dessas o livro do falecido vizinho se foi. Era, talvez, o último sinal da passagem dele por esse mundo. Decorridos mais de 50 anos, desde então, creio que talvez ainda viva algum neto do homem que lia. Mas, não sei dizer se este seguiu os passos do avô, mantendo pequena biblioteca.

Escrito por Ayrton Marcondes

27 janeiro, 2020 às 2:16 pm

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Entre livros e bases de dados

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A maior biblioteca de toda a antiguidade foi a de Alexandria. Acredita-se que foi fundada no século III e existiu até a Idade Media quando foi destruída por um incêndio.

Os livros são o repositório do conhecimento e da cultura acumulada ao longo dos séculos.  Entre eles as enciclopédias têm lugar de destaque por reunir enorme fonte de informações sobre assuntos variados, daí a sua importância para pesquisas e consultas sobre o que quer que seja.

Em casa de meus pais existiam coleções de livros muito úteis para trabalhos escolares e consultas. Entre elas destacavam-se os volumes do “Tesouro da Juventude” - editado por W. M. Jackson Inc., com introdução de Clóvis Bevilaqua - e uma obra chamada “A Ciência da Vida”, em dez volumes, escrita por H. G. Wells, Julian Huxley e G. P.Wells.  Em “A Ciência da Vida” tive a oportunidade de, pela primeira vez, entender a diversidade dos seres vivos sob a luz do evolucionismo. Se não me falha a memória esse assunto é tratado no volume 6 da coleção, seguindo a linha dos textos de história natural comuns no passado.

Mais tarde adquiri uma enciclopédia em português, a Mirador, e posteriormente os muitos volumes da sempre excelente Enciclopédia Britânica.

A todos esses livros devo enormemente. Eles me foram muito úteis em diversas ocasiões. A sua utilização durou até o advento de obras informatizadas que facilitam as pesquisas com recursos de hipertexto e cruzamento de dados. De repente, as pilhas de livros foram substituídas por CDs e DVDs que, uma vez carregados no computador, fornecem as informações de que precisamos através de consultas instantâneas.

Mas a coisa não parou aí. A facilidade de pesquisa foi incrementada pela criação de bancos de informações de livre acesso através da internet. Destaca-se nesse campo a Wikipedia, ferramenta que cresce a cada dia através da contribuição de autores ocasionais e desconhecidos.

Entretanto, toda essa maravilha possibilitada pela informática esbarra na credibilidade das informações disponibilizadas. No caso da Wikipedia nada nos garante que o autor de um determinado verbete seja fidedigno embora a priori acreditemos que ele fez o melhor que pode ao publicar as suas informações.

Vai daí que se corre o risco de, através da Wikipedia ou qualquer outro mecanismo de fornecimento de dados, ser criada uma cultura paralela baseada em conhecimentos falhos e que conduzem a raciocínios errados.

Esse fato passa ser importante numa época em que os jovens, habituados à velocidade das informações, se contentam com textos que supram as suas necessidades imediatas sem qualquer critério de avaliação ou pesquisas que os confirmem.

Nos dias atuais tudo está ao alcance de um clique. Entretanto, é preciso saber se o que surge na tela em seguida ao clique do mouse pertence ao universo da verdadeira cultura. Só com informações precisas e corretas se constrói o conhecimento e se formam pessoas aptas ao exercício da cidadania.

A internet e a literatura

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O jornal “O Estado de São Paulo” de hoje traz foto de uma escritora canadense autografando livros nos Estados Unidos.  O fato seria normal se a escritora não estivesse no Canadá exatamente no momento em que os livros eram autografados nos EUA. Como isso foi possível? O autógrafo a distância foi realizado com um aparelho chamado LongPen. Uma caneta especial utilizada pela escritora foi usada para transmitir, via internet, os dados da assinatura.

Há muita gente preocupada com os destinos da literatura e dos livros em papel dada a emergência dos blogs, do Twitter e dos e-books. Já são feitas poesias com restos de spams e emails. Circulam pela internet romances interativos, seriados, escritos a muitas mãos. Miscelâneas de textos escolhidos ao acaso podem, facilmente, ser compostas através do recurso copiar e colar somado a pitadas de mudanças feitas apenas para disfarçar. Nas escolas os professores enfrentam a questão da paternidade dos textos apresentados nos trabalhos de seus alunos: nunca foi tão fácil montar um trabalho extenso grilando idéias e até parágrafos inteiros alheios.

Editoras e algumas universidades já dispõem de sistemas capazes de comparar os textos que recebem com uma infinidade de outros reproduzidos na internet. Trata-se de meio seguro de reprimir plágios e flagrar falsos autores.

Mas o que acontecerá aos livros em papel e à literatura? Quanto aos livros parece que o fiel da balança será a mudança de hábitos verificada de uma geração para outra. De fato, é espantosa a integração entre os mais jovens e as tecnologias recentes, em especial o computador. Entre os jovens ler numa tela é algo mais que natural de modo que não será demais prever que as novas gerações venham a prescindir de textos em papel. Entretanto, o mesmo não se pode dizer da turma, digamos assim, da retaguarda. A boa e velha retaguarda não é muito dada a olhar para uma telinha cheia de letras e ainda prefere segurar os livros em papel cujo prazer do manuseio é insubstituível. Infelizmente as retaguardas envelhecem a cada dia que passa e são substituídas por outras: periga, portanto,  que em alguns anos tenhamos retaguardas habituadas somente a e-books. Quando e se isso acontecer, será decretado o fim do livro em papel, com direito a enterro e missa de sétimo dia.

A literatura sobreviverá sempre, que não se tenham dívidas sobre isso. Os seres humanos são dotados de grande curiosidade e contar histórias faz parte da natureza da espécie. Se elas vão ser contadas impressas em papel ou em telinhas, se através da voz de um locutor ou de novos meios que venham a ser inventados, tanto faz. O que se pode esperar e já se verifica são novas formas de fazer literatura e de chegar ao público. Note-se que nessa afirmação não existe nenhum juízo de valor coisa, aliás, ignorada nesses tempos em que a possibilidade de publicação de qualquer texto tornou-se muito democrática através da internet.

Particularmente, vejo com muitos bons olhos toda essa revolução e sou grato por ter vivido para presenciá-la. Num país em que pessoas de talento encontram enormes dificuldades para publicar um livro e onde as editoras têm declarada preferência por obras traduzidas, a internet tornou-se um reduto no qual muita gente boa pode se expressar e, talvez, emergir fortalecendo a pálida literatura nacional.

Assim, não se trata do fim dos tempos, nada apocalíptico como esse tom de velório frequentemente utilizado para decretar o fim dos livros e a banalização da literatura. As revoluções costumam ter algo de inovador daí que dessa gigantesca montanha de coisas diariamente publicadas na internet, algo de muito bom haverá de sobrar e persistir.

Escrito por Ayrton Marcondes

23 agosto, 2009 às 1:12 pm

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Livros: companheiros de verdade

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Numa época em quem a palavra companheiro assumiu conotação de ligação política e comunhão de interesses, não será demais um pequeno esforço para reabilitá-la (reabilitá-la, sim, porque ela tem feito a delícia de comediantes e muita gente que anda por aí).

Não há melhor jeito de fazer isso que a lembrança dos bons amigos que temos, com quem contamos em todas as horas. Existem amizades de raiz, ligadas a passado distante, mas preservadas por funda afeição e admiração. E quantas novas, produtivas e agradáveis, por obedecerem ao princípio básico das amizades que é a pessoa em si despida de outros interesses.

Poderíamos, ainda, referir-nos aos animais de estimação, por vezes ariscos, mas que na hora “H” revelam-se mais solidários que muitos seres humanos. Creio que os cães, melhor que outras espécies animais, preencham com louvores essa condição.

Entre as coisas inanimadas, os livros ocupam posição de destaque como nossos companheiros. Estão sempre disponíveis para oferecer variantes de pensamentos ou simplesmente brindar-nos com uma boa história que nos ajude a fugir um pouco da rotina diária.

Tempos atrás assisti à palestra de renomado professor universitário que, entre outras, afirmou ter nascido numa casa sem livros. Estranhava ele que o destino, ou o que fosse, o tivesse conduzido à literatura assunto do qual esteve ausente por um bom período de sua vida. Na verdade não foi essa a primeira vez que ouvi referências a casas sem livros, fato sempre narrado pesarosamente e no sentido de comprometer culturalmente os seus moradores.

De minha parte, afirmo alegremente que nasci numa casa com livros – e sem televisão. Naqueles ermos interioranos onde nasci, dada a precariedade da recepção de imagens, realmente era um grande luxo ter um aparelho de televisão. Vai daí que outra boa distração não tínhamos que a das histórias contadas nos livros. Era através deles que tomávamos contato com o mundo, sabíamos como viviam outros povos e armazenávamos conhecimentos sobre a vasta cultura tantas vezes inúteis dos velhos almanaques que podem ser considerados precursores do Google, Wikipedia e outras ferramentas de pesquisa da internet.

Quem foi o primeiro homem a chegar ao pólo norte? Quais são as sete maravilhas do mundo antigo? Essas e milhares de outras perguntas estavam ao alcance de todos nos almanaques aos quais devo a curiosidade por coisas incomuns, fatos mal explicados porque desimportantes e assim por diante.

Foi por ter nascido em casa com livros que pude ler até os 14 anos de idade toda a obra de José de Alencar, talvez sem perceber as peripécias do romantismo, mas curioso a cada capítulo assim como as pessoas que, atualmente, acompanham as tele-novelas. Daqueles anos também ficaram as verdadeiras imersões no “Tesouro da Juventude” uma coleção de vários volumes bem encadernados e ilustrados cuja pretensão era encerrar em suas centenas e centenas de páginas a essência cultural que todo homem deve ter. Foi no “Tesouro” que conheci as fábulas de La Fontaiane e explicações iniciais sobre os princípios da química, da física e da  biologia.

Depois do “Tesouro” vieram os contistas russos, Flaubert, Henry James, Fernando Pessoa e toda essa maravilhosa galeria de escritores que me emprestou tantas idéias e que se fizeram companheiros inseparáveis vida afora.

Mas não poderia terminar sem prestar uma rápida homenagem a meu pai. Tinha ele o prazer genuíno das palavras, gostava e gastava cada uma delas como se fosse a última. E, coisa rara, adorava ler em voz alta, se possível para nós. Foi através dos olhos e da voz dele que, quando menino, travei contato com a Divina Comédia. Diariamente meu pai lia-nos uma parte do grande livro e de tal forma nos envolvíamos que personagens como Beatriz e Virgílio faziam parte de nossas conversas cotidianas.

Ah, se eu pudesse e o meu dinheiro desse, como dizia Carlos Drummond de Andrade. Pois se eu pudesse e o meu dinheiro desse, mandava colocar uns livros na casa de todo mundo. E seria ditatorial: televisões ligadas só depois de pelo uma hora de leitura pbrigatória.

O mundo seria outro, acreditem.