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A metamorfose

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Talvez seja essa a quinta ou sexta vez em que reli “A metamorfose” de Franz Kafka. Sempre por acaso, estranha compulsão, respeitados intervalos indefinidos de anos. Acontece naquelas ocasiões em que se perambula entre os livros na estante e, de repente, um deles parece vir ao nosso encontro, ato mágico, inexplicável, necessidade urgente de comunhão de impressões, como se estivesse ao alcance das mãos um segredo que no caso de “A Metamorfose” nunca será totalmente revelado.

Gregório Samsa acorda em certa manhã e descobre que se transformou num monstruoso inseto. Eis aí a porta de entrada para o mundo fantástico que se introduz de modo absoluto e inusual. Ao pobre leitor cabe aceitar ou não a situação de Gregório. Caso entenda a primeira frase como absurda nada lhe restará senão abandonar o livro. Em caso contrário seguirá adiante, participando da lenta agonia de Gregório - inexplicavelmente transformado num inseto - e na situação vivida pelos pais e irmã de Gregório diante de acontecimento tão inusitado.

Em “A Metamorfose” Kafka conduz o leitor a um labirinto sem saída, cada vez mais interiorizado em Gregório, recluso em seu quarto e refém de um corpo de inseto. A cada página adensa-se o horror da situação de um homem alijado de sua condição humana, mas mantendo intacta a sua capacidade de raciocinar. Gregório sofre como o último dos seres sobre a Terra, asqueroso até mesmo para a sua família que não sabe como livrar-se dele. Kafka dirige o leitor dentro dessa prisão absoluta de um homem incapaz de se livrar da fatalidade que o vitimou. Participa-nos o grande escritor da grande miséria da condição humana que nada pode fazer quando algo maior interrompe a racionalidade daquilo a que se está habituado ou se conhece. Gregório Samsa não pode fugir da prisão que o esqueleto externo de inseto e as finas patas a ele proporcionam. Não pode sair de seu quarto no qual a sujeira se acumula; com o tempo já não consegue até mesmo comer os restos de alimentos que a irmã ou a empregada deixam no chão do quarto. Seu mundo se desfaz, lentamente, horrivelmente.

Como afirmei reli o livro de Kafka algumas vezes. Posso dizer que a cada vez vi crescer o meu estranhamento em relação ao caso de Gregório  Samsa. Trata-se de um horror inaceitável que nos leva a refletir sobre a precariedade de nossas vidas e a validade daquilo em que acreditamos. Não importa que se conheça cada passo da trajetória de Gregório Samsa, nem mesmo o fim que a ele está reservado: a cada vez lê-se o texto de Kafka com a surpresa de uma primeira leitura, descobrindo-se novas nuances em sua narrativa.

Mas, o mundo não para ainda que um dos humanos seja colhido por uma tragédia. Talvez por isso ao ser resolvida a situação de Gregório Samsa os pais e a irmã tirem um dia de folga para passear. Há que se continuar no mundo, atuando em acordo com as regras do jogo, deixando para trás memórias desagradáveis porque a vida continua e a ilusão de sermos eternos nos dá força para seguir em frente.

Escrito por Ayrton Marcondes

19 junho, 2013 às 11:27 am

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