Arquivo para ‘Lula deixa a presidência’ tag
24 de dezembro
Nem adianta prometer que o dia será de comedimento em relação a comidas e bebidas. Você acorda mais tarde e faz um acordo consigo mesmo: deixará os problemas de lado. Passará o dia em plena paz enquanto espera a chegada da noite, da ceia, dos abraços, dos presentes, do carinho retribuído pelas pessoas a quem ama.
Num dia desses o melhor é nem ligar a televisão, não assistir a nenhum noticiário, isolar-se o quanto possível da rotina a que está habituado.
Ainda não é hora do almoço quando liga o primeiro dos amigos: ele mora longe, no interior, mas não pode deixar passar em branco uma ocasião como essa. Vocês conversam, trocam confidências e se desejam, mutuamente, muitas felicidades. Quando você desliga fica com a sensação de elo perdido porque distante, de vida calhorda porque não o deixa estar com os amigos nesse dia em que o melhor seria a companhia de pessoas espiritualmente ligadas a você, tal como o amigo com quem falou há pouco.
Durante o café da manhã você acaba ligando a televisão, justamente num noticiário, e fica sabendo que o presidente da República pronunciou-se na noite de ontem, ele que está para sair do governo. Um comentarista destaca a dificuldade do presidente em afastar-se dos holofotes, dando a entender que ele incensa a si mesmo. Outro comenta que em sua fala o presidente inflou dados estatísticos, coisa que sempre faz para vangloriar-se.
O fato é que presidente da República está a dançar a valsa da despedida. Ele roda pelo salão, abraçado consigo mesmo, observando-se numa galeria de espelhos. Há nos passos do presidente sinais de ruptura incompleta. Ele valseia como os velhos que se recusam a envelhecer e os doentes terminais que não aceitam a morte. Experimenta o presidente o desencanto dos artistas que insistem em ficar na ribalta, ainda quando o espetáculo terminou e o público já se recolheu. Isso tudo é muito dele, não se pode tirar do homem o que ele é em essência, o que nasceu para ser e fazer. Dói para ele a despedida, talvez mais que para outros, menos apegados, quando deixaram o cargo. Mas, não há como evitar que seja assim, a vida não passa de uma coleção de realizações efêmeras, cada uma delas com fim mais ou menos previsto.
Outra notícia chama a atenção: aos 72 anos, Orestes Quércia morreu. Ex-governador e senador, antigo radialista, Quércia fez parte do jogo político brasileiro, ainda quando não ocupando cargos eletivos. Recentemente desistiu de sua candidatura ao Senado: já a doença, câncer de próstata, avançava irreversivelmente. De todo modo a noticia, em dia como hoje, soa como despedida precoce realçando a sempre desinteressante constatação da brevidade da vida e das coisas.
Mas, é véspera de natal. Em poucas horas as famílias estarão reunidas, fazendo força para não reativar velhas discussões que poderão acontecer, novamente, depois de uns goles. Aquele seu cunhado, o cara que adora os seus bons vinhos e é exigente, estará mais que inspirado na noite de hoje. Com sorte ele não puxará aqueles assuntos que provocam constrangimento.
Mas, não se apoquente. O importante é que todos estarão juntos e há que se aproveitar esses momentos porque tudo é efêmero, a vida também, lembra-se?
Então, esqueça as recomendações médicas e aproveite o dia comendo, bebendo, fazendo o que lhe der na telha porque existem amanhãs para fazer regime. Afinal é véspera de natal e só por estarmos vivos temos muito a comemorar com aqueles a quem amamos.