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O intérprete
Sempre achei interessante a atividade de intérprete. Em encontros de personalidades como governantes de países que necessitam de ajuda para se comunicar sempre me perguntei o que aconteceria caso o intérprete se enganasse ou mesmo traduzisse de propósito coisas diferentes das faladas. Não é que um intérprete mal intencionado poderia provocar um estranhamento ainda mais profundo entre partes conflitantes?
O caso dos intérpretes que traduzem palavras em gestos para o entendimento de surdos-mudos é interessante. Eles fazem a ponte entre dois mundos por si só incomunicáveis exceto através da gesticulação. Trata-se de um processo complexo. Não imagino o quanto difícil seja, por exemplo, traduzir em gestos o discurso de um orador com toda a riqueza de termos por ele utilizados. Entretanto, existem profissionais altamente qualificados que participam de momentos importantes nos quais a linguagem dos gestos incorpora aos acontecimentos toda a legião daqueles que não tem a capacidade de ouvir.
Há poucos dias faleceu Nelson Mandela o grande líder da África do Sul cuja atuação comoveu o mundo. Com a morte de Mandela líderes mundiais viajaram até a África do Sul para prestar a ele as devidas homenagens. Alguns desses líderes tiveram a oportunidade de se pronunciar publicamente sendo ouvidos pelas multidões presentes e assistidos por milhões de pessoas em todo o mundo através de transmissões televisivas. Como não poderia deixar de ser esses pronunciamentos foram acompanhados da presença de um intérprete que, colocado próximo àqueles que discursavam, traduzia em gestos as suas palavras.
Foi assim que vimos um senhor gesticulando, traduzindo os discursos durante a cerimônia em homenagem a Mandela. Era um homem sério, vestido a caráter para a ocasião, gesticulando naquela linguagem para mim incompreensível.
Eis que agora se divulga que o intérprete que vimos pela TV era um impostor. Traduziu discursos de gente como Bill Clinton com gestos que nada queriam dizer. Gesticulou ao acaso, sem nenhum significado, é o que nos garantem associações de surdos-mudos em todo o mundo, revoltadas como estranho fato.
Mas, o intérprete se defende. Diz ser realmente intérprete e que foi contratado por uma empresa para atuar naquela ocasião. Aconteceu a ele ter ficado nervoso e perder-se durante a prática de seu ofício, daí gesticular a esmo, pois já não sabia o que estava fazendo. Confessa ser esquizofrênico e estar em tratamento da doença.
Mundo louco esse, não? De repente, numa cerimônia daquela pompa, em primeiro plano um esquizofrênico que movia os braços numa linguagem só dele, sem sentido.
O que mais existe para acontecer sob o Sol que nos ilumina?