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TOC
Ela me cumprimenta sorridente a cada manhã. Entra na minha sala com ares de quem dormiu bem e teve bons sonhos. Pela casa dos 30 não se pode dizer que seja exatamente mulher bonita. Minha mãe costumava dizer que para certas pessoas falta um pequeno detalhe para que sejam lindas. A beleza é sempre discutível. Há quem a veja mesmo em faces que fogem ao comum dos gostos. Quanto a mim tenho a impressão de que não falta nada num rosto quase bonito. A meu ver o problema reside na busca da sempre inexistente perfeição. Certas pessoas não chegam a ser belas, mas, sim, são quase bonitas. Ao olhar para elas sentimos que a natureza poderia ter sido só mais um pouquinho generosa. Faltou a elas algo indefinido, como se ao artista que moldou suas faces tivesse falhado a inspiração, justamente no fechamento da obra.
O que está escrito acima pode ser bobagem, mas é o que me parece a cada manhã quando a mulher de quem falo entra na minha sala. Tratamos de assuntos comuns ao dia-a-dia do serviço. Pessoa agradável e inteligente ela discorre sobre coisas mais prementes e logo se despede. Mas, por que falo dela? Bem, o problema é o TOC. A mulher não consegue se manter parada sem ajeitar a minha mesa. Não diz anda, mas não suporta a desordem. Enquanto está comigo, junta papéis, devolve canetas ao cubinho onde são guardadas, levanta-se e recoloca as cadeiras, observando diferenças milimétricas no posicionamento delas, acerta as folhas da impressora, enfim…
Dias atrás perguntei a ela sobre como se comporta em sua casa. Disse que a faxineira já sabe: cada coisa tem seu lugar que de modo algum pode ser mudado. Quando entra em casa seus olhos escrutinam a organização. Briga com o marido a quem classifica como desordeiro. Confessa que nos primeiros tempos juntos as brigas eram constantes. Agora o marido está mais adestrado. Adestrado? Sim, como animais a quem se ensina certas rotinas diárias.
Ela tem consciência de seu problema e é feliz com ele. Confessa ter TOC. Diz que é melhor ser assim que sair por aí, matando gente. Perguntada se já pensou em tratar-se para resolver o problema apenas sorriu. Gosta de si mesma do jeitinho que ela é.
Assim segue a mulher com seu distúrbio obsessivo-compulsivo. O distúrbio psiquiátrico de ansiedade parece ter sido incorporado por ela na categoria “sob controle”. Atravessa os dias cumprindo a rotina de seu ritual pré-estabelecido. Diz-se portadora de uma mania, nada mais que isso. Sabe-se lá como funciona a cabeça dela, se os pensamentos que não consegue controlar estão restritos apenas à mania de ordem. E parece não se preocupar como crescimento de sua obsessão fato que provavelmente acabará afetando as pessoas de seu convívio.
Falar diariamente com alguém que tem TOC nos leva a perguntar se também não temos lá uns toquezinhos por pequenos que sejam. Desde que o meu dentista me submeteu a uma lavagem cerebral sob cuidados com os dentes passei a escová-los muitas vezes por dia. Não será um começo?