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Cinquenta anos depois
Vez por outra um determinado acontecimento completa cinquenta anos desde a sua ocorrência e o fato, quando não comemorado, é pelo menos lembrado.
Está acontecendo agora com a ex-tenista Maria Ester Bueno que comemora os cinquenta anos de sua vitória no torneio de tênis de Wimbledon. A “dançarina”, como era chamada, foi tricampeã em Wimbledon, venceu cinco grandes Slams e inúmeros torneios. Jogou numa época em que os atletas eram movidos quase que só por amor e dedicação: viajava sozinha, utilizava meios de transportes mais baratos e não dispunha de retaguarda que cuidasse de seus interesses. Certa ocasião jogou 120 games num só dia, seu braço estourou e adeus carreira de tenista número um do mundo.
A glória de Maria Ester fez parte daquele reboliço que se instalou no país no final dos anos cinqüenta e início dos sessenta. Quem viu jamais se esquecerá. De repente, o país em permanente atraso e descompasso com o mundo parecia acordar. Juscelino Kubitschek exercia a presidência de onde sairia em 1961. Eram os tempos dos cinqüenta anos em cinco, da inauguração de Brasília (1960) e do incremento da indústria automobilística. Em 1958 o Brasil conquistava pela primeira vez a Copa do Mundo, na Suécia, e Pelé surgia para o mundo. No boxe aparecia a impressionante figura de Eder Jofre, um demolidor peso-galo que conquistava o título mundial de sua categoria em 1960. Em agosto de 1958 João Gilberto lançava um compacto com a canção “Chega de Saudade”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, que para muitos representa o marco zero da Bossa Nova.
Tempos febris que de repente estremeceram com a eleição de Janio Quadros para a presidência da República, sua renúncia, o governo Jango e o grande nó que foi a revolução de 64. Desses dias muita gente lembrará facetas diferentes; dias nublados terão sido observados sob ópticas nem sempre coincidentes. Histórias contadas nos dão conta de protestos tantas vezes inúteis, opressão e a mão-forte de um sistema em voga nessa América que parece ter sido descoberta para ser laboratório do mundo, gleba de terras onde ideologias eram lançadas com o único propósito de se colidirem, levando consigo corpos, mentes e muito sangue.
Tantas glórias e desgraças para serem lembradas agora e me pergunto se devem ser comemoradas. Os gritos ao pé dos rádios que anunciavam os dribles de Garrincha e as investidas de Pelé ainda ecoam por aí. Os murros de Eder Jofre, o melhor peso-galo de todos os tempos segundo o Conselho Mundial de Boxe, ainda parecem derrubar temíveis adversários. A raquete que Maria Ester Bueno atirou para cima no momento em que venceu em Wimbledon parece ter entrado em órbita e nunca mais voltou. Tom Jobim e Vinicius de Moraes morreram e João Gilberto resiste bravamente com sua voz peculiar, submetendo multidões para sempre encantadas.
De repente passaram-se cinqüenta anos! Dou-me conta disso assistindo a uma entrevista de Maria Ester na televisão. Lá está ela referindo-se a coisas que se tornaram memória e pó.
Não há como não sentir saudades daqueles anos, de tudo em que se acreditava, de um Brasil infante querendo crescer, de um mundo que passou e já não pode ser descrito com palavras.