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Um caso chato
Um amigo me pergunta qual a coisa mais chata do mundo. Repondo que isso depende de cada um: o que é chato para uma pessoa pode não ser para outra. Ele insiste, questionando sobre as coisas que acho muito, muitíssimo chatas. Eu me coloco na defensiva. Não quero responder, não estou com vontade de pensar no caso, na verdade gostaria de ouvir um pouco o silêncio e hibernar em plena tarde de calor intenso.
No fim, olho para o meu amigo e tenho vontade de dizer que ele é um cara chato, chatíssimo. Não digo nada. Esse cidadão passa por crises periódicas desde que foi abandonado pela mulher. Ela, como é de conhecimento público, amasiou-se com um personal trainer que vinha à casa dela para ajudá-la a manter a forma. Enquanto isso, o cioso e apaixonado marido dava duro no emprego abusando da vocação masculina de trazer dinheiro para casa e garantir segurança à família. O homem da família é tudo, não é? Não é ele que deve pagar as contas? Não é ele o exterminador de baratas, ratos e outros seres que ousam invadir o lar? Mas, cuidado, muito cuidado, isso é o que se recomenda aos heróis que de repente sentem o chão faltar sob os seus pés, passam a ter crises de taquicardia e sofrem o diabo pela perda do ente amado.
Confesso que esse meu amigo não era tão chato em seus tempos de casado e chefe da sua trupe. Depois que ficou sozinho ele deu para se lamentar e isso foi se agravando, até que ele se tornou homem de um papo só. Religioso que sempre foi, chegou a desentender-se com Deus acusando a Ele de insensibilidade diante do sofrimento. Pareceu a esse pobre sofredor que sua vida pregressa não poderia, jamais, ser coroada com tão severa punição. A desgraça que sobre ele se abatera, pondo fim a mais de uma década de felicidade, era injusta e irracional, desafiando toda a lógica e entendimento. Mais que isso: por que ela o trocara por aquele instrutorzinho, homem de músculos, mas feio, grosseiro e de escassa inteligência? Por que ela que gostava tanto de ouvir o marido a recitar os poemas de William Carlos Willians, em inglês, de repente preferira a selvageria do pequeno símio que vinha à sua casa para as sessões de ginástica? Seriam sinais dos tempos? Seriam verdadeiras as histórias contadas por aí dando conta de que este país está se desintegrando intelectualmente dada a pertinaz campanha de que qualquer pessoa pode chegar lá?
Tudo isso e muito mais tenho ouvido do meu amigo nas visitas que me faz. Ele sempre chega ao final da tarde e já pensei em não atender o interfone. Mas, não tive coragem. A meu modo quero bem a esse cara que, no passado, me prestou alguns favores. Espera aí, eu não o recebo para pagar nenhum débito: ele é um bom sujeito, dos tais probos que não se acham mais hoje, daí que me sinto bem em partilhar um pouco a dor dele.
Das longas conversas com esse homem abandonado resta uma certeza: ele acredita piamente que, mais cedo, mais tarde, a mulher vai voltar. A pior parte é que ele garante que no dia em que ela vier procurá-lo baterá com a porta na cara dela. Que ela fique com o carinha musculoso, tesão não é tudo, tesão passa, sexo em estado puro só é bom enquanto dura porque acaba enjoando. Quando repete essas coisas, deixando escapar uma lágrima bem disfarçada, penso que ele jamais baterá a porta na cara dela: vai mandá-la entrar, fará um enorme charme, imporá condições. Mas, vai se deitar com ela no mesmo dia, porque paixão é paixão e tesão é tesão, não tem jeito não.
A mulher? Ah, ela me ligou dias atrás. Estava radiante, rindo muito, com aquele tom brejeiro que as mulheres assumem quando acreditam ter-se livrado de um fardo. Não perguntei, mas ela me disse que o Henrique – esse o nome do personal – é um cara ótimo, muito alegre etc. Disse mais: faz questão de que eu o conheça, vai combinar um dia para virem à minha casa.
Quando ela desligou pensei na necessidade de comprar um aparelho qualquer de ginástica para manter o personal ocupado - caso venha aqui – enquanto eu e ela conversamos.
Pelo amor de Deus, não tenho nada contra personal trainers. É que o meu amigo jura conhecer bem esse que está com a mulher dele e garante que o cara é uma pequena anta.
A mulher do meu amigo é muito bonita, fina e educada. Pode até ser que se canse do personal e acabe por deixá-lo. Mas não voltará de modo nenhum com o antigo marido. Acontece que o meu amigo é um cara chato, metódico, bem comportado demais, daqueles que usam camisa de manga curta com o colarinho abotoado, mesmo em dias de muito calor. Uma figura.
Ah, e o meu amigo não tem os tais músculos do outro. É magrinho e está agora mais magro ainda de tanto que anda sofrendo.