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Medos

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De que você tem medo? Conheço pessoas que afirmam desconhecer o medo. Medo seria coisa de gente fraca, refletindo algum tipo de desequilíbrio emocional. Sorte dessa turma que não tem medo, não?

Não dá para imaginar o que se passa na cabeça de um sujeito como Stephen King. O escritor já escreveu tantos livros de terror - muitos adaptados no cinema como “O Iluminado”, “Carie a Estranha” - que se torna justo supor que a mente dele tenha alguma ligação com o mundo de sombras. King escreve tanto sobre o mesmo assunto que não seria demais afirmar que ele habita algum subterrâneo do qual extrai as situações totalmente inusitadas que nos assustam enquanto seus leitores.

Mas, de um homem assim espera-se que ele tenha medo? Em entrevista Stephen King relaciona as coisas que a ele infundem terror. Ele tem medo, por exemplo, de seres rastejantes. Também o assustam os insetos e morcegos. Mas, o pior são os psicopatas que andam por aí. De um minuto para outro um deles pode aparecer na sua frente com uma faca ou revólver. Veja-se o caso de Marc Chapman que assassinou John Lennon, em 1980.

Cada pessoa tem sua reserva de medos, de coisas que as assustam. Menos comum hoje em dia, o medo de almas do outro mundo já ocupou lugar de destaque na hierarquia de medos. Hoje em dia o sobrenatural tem cedido lugar ao receio quanto à violência. Tal o crescimento da criminalidade que já não se pode andar tranquilamente pelas ruas. Num ambiente no qual impera o desrespeito pela vida humana o medo de ser vítima de algum tipo de violência é regra geral.

Sempre gostei da literatura fantástica e filmes de terror. Nos últimos tempos deixei de frequentá-los. Recentemente, li o conto “A loteria”, de Shirley Jackson, considerado um clássico, pela primeira vez publicado em junho de 1948 na revista The New Yorker. A reação negativa dos leitores surpreendeu os editores da revista. Muitos cancelaram as assinaturas e, na África do Sul, o conto foi banido. Ainda hoje se lê “A Loteria” com algum espanto.

É de se imaginar a revolta dos leitores a um conto no qual a violência é extrema. Vivia-se o período otimista do pós-Guerra e o conto abria a possibilidade de violência em pacatas comunidades do interior do país.

Crimes hediondos

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Não sei se existem regras suficientes para classificar um crime na categoria de hediondo. Leio que para ser hediondo um crime não precisa ter sido cometido com crueldade e nenhuma compaixão. Segundo a lei nº 8.072/90 trata-se de crimes que merecem reprovação por parte do Estado. São aqueles mais graves, capazes de causar aversão e revolta.

Atualmente é tamanha a variedade de crimes praticados rotineiramente que fica difícil decidir se esse ou aquele é hediondo ou não. Nesta semana um sujeito deixou uma mala na calçada, defronte a portaria do prédio onde mora. Horas depois um carrinheiro interessou-se pela mala, mas, devido ao peso, decidiu abri-la antes de levá-la. Aberta a mala o carrinheiro deu com o corpo de uma mulher cortado em pedaços. Não se demorou a descobrir que se tratava da mãe do sujeito que deixara a mala na calçada. Mãe e filho moravam juntos. O filho, homem entre 30 e 40 anos de idade, nunca trabalhou. Matou a própria mãe, livrou-se do corpo dela deixando-o na calçada.

Semana passada encontrou-se o corpo de uma mulher dentro da geladeira, no apartamento em que morava. A mulher não tinha ainda 40 anos de idade e era executiva de uma empresa. No corpo dela marcas de violência, inclusive na área genital. A filha desconfiou do desaparecimento da mãe que não atendia ao telefone. Quando foi até onde a mãe morava deparou-se com o cheiro de matéria em decomposição. O requinte do assassino incluiu o ato de esvaziar a geladeira para poder encaixar o corpo.

Poderia passar o dia relatando casos de mortes violentas, estupros, assassínios de crianças, suicídios, execuções, torturas etc. Acontecem a toda hora. Muitos desses crimes são hediondos, revoltam e nos trazem sentimento de impotência.

Nunca tive medo de sair de casa, andar nas ruas, nem de ficar parado dentro do carro por conta do trânsito. Confesso que tenho me tornado um tipo temeroso. Confiro bem as portas de casa antes de me deitar e me preocupo com os meus filhos que circulam nas cidades.

Tanta violência!

Ruas vazias

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Dia das mães. Tarde fria, céu encoberto, ruas vazias em São Paulo. Para onde foram todos?  Ando pela rua onde fica o Instituto Biológico, região próxima ao Parque do Ibirapuera. De repente, de uma travessa, saem três sujeitos com ares de poucos amigos. Arrepio-me. Eles vêm na minha direção, em sentido contrário ao meu, na calçada.

Trata-se de situação inusitada.  Não há ninguém por perto, nenhum som e raciocino que nada poderá me salvar. Ponho a mão no bolso da calça, apalpo as poucas notas de dinheiro que talvez venham a servir como passaporte para que eu continue vivo. Repito as instruções dadas pela polícia: não discutir, entregar tudo e, principalmente, não reagir.

Agora os três estão bem perto. Não têm mesmo eles jeito de gente pacata. Aquele do meio, mais velho, será ele o chefe? Estarão armados? Corro perigo de morte?

Num minuto os três estão bem à minha frente. É agora, penso. Entretanto, os três homens me ignoram. Passam por mim sem se dar conta da minha presença. Prosseguem, conversando animadamente.

Depois que passam, reparo que estou suando frio. Não se interessam por mim? Adivinharam que trazia comigo pouco dinheiro e não valeria a pena uma abordagem? Ou, simplesmente, não seriam bandidos?

No restante do trajeto até a casa onde vou almoçar com familiares eu me recrimino pelo mau juízo em relação aos três homens. Vestiam-se com simplicidade, é verdade. Tinham certo jeito arrogante de quem está no comando do pedaço e podem fazer o que lhes der nas telhas. Mas, não eram bandidos e me ponho a pensar na grande pressão que a violência excessiva faz sobre nós. De fato, não ouvimos coisa diferente que uma montanha de crimes terríveis que nos deixam de queixos caídos. A maldade humana parece ter-se extravasado ao limite de nossa tolerância. Daí que cada pessoa pode, pelo menos potencialmente, ser um inimigo, alguém determinado a nos atacar.

Tudo isso me passa pela cabeça, mas nem assim me perdoo pela enorme fraqueza e julgamento precipitado.

Aconteceu ontem. E era o “Dia das Mães”, o mundo parecia em paz, exceto por alguns instantes, no meio da tarde, numa rua deserta, na minha cabeça.