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Amigos
Amigo é coisa pra se guardar, diz a letra da música. Há quem faça amigos com facilidade. Também há os que parecem espantar pessoas. Enfim…
De repente o telefone toca e surge uma voz que não ouvia há muito tempo. É ele. Convivemos muito no passado. Distanciados pela vida não mais nos vimos. Agora ele reaparecia como que surgido do nada. Avisou-me que morava na cidade, queria me ver, matar saudades.
Marchas e contramarchas vencidas eis que, finalmente, marcamos nosso reencontro. Antes da ocasião tentei recompor na memória detalhes sobre o amigo. Mas, como estaria ele agora? De que assuntos trataríamos? Agora que sucumbimos ao avanço dos anos estariam em pé coisas em que ambos acreditávamos e professávamos?
Marcamos num bar. Cheguei antes, arranjei-me numa mesa, chamei o garçom, pedi um chope, enfiei a cara no celular. De repente uma mensagem: o amigo iria se atrasar um pouco, demorara a sair de casa.
Quando ele chegou abraçamo-nos efusivamente. Estava mais velho, claro, mas era ele o companheiro de tantas. E nos debruçamos sobre o passado. Voltaram nossas noitadas de moços, namoradas que tivemos, tempos nos bancos da faculdade, destinos de ex-colegas etc. Fez-me bem lembrar-me de tanta gente de quem não mais ouvira falar. Então Fulana seguira seu plano de se mudar para os EUA depois de formada. Aliás, casara-se com um americano, seus filhos eram americanos. Aquele mulherão da nossa turma… Ela mesmo. Mas, Fulano de quem éramos mais ou menos próximos, esse morrera. Como? Ora, num acidente de carro, na Via Dutra. Ia para o Rio. Montara negócio lá. Deixara viúva e um filho que tentara manter os negócios do pai sem resultados.
O garçom estimulava a conversa, substituindo os copos vazios de chope. Até que saímos do passado e chegamos ao presente. Então, como estava o amigo? Não muito bem, contou-me. Avalizara um parente que não saldara o compromisso. A dívida, enorme, recaíra sobre ele. Agora estava mal das pernas. A mulher bem que o avisara, não assinasse nada pelos outros. E dera no que dera.
Aos poucos fui entendendo que o amigo não me procurara por ter saudades. Ele precisava de socorro, de dinheiro. As contas estavam atrasadas. Certamente eu me lembrava de um favor que me fizera quando me ajudou a pagar o mês de aluguel da república de estudantes em que eu vivera. Agora, chegara a minha vez de retribuir o favor, ainda mais com ele me contando sobre a doença da mulher, a urgência de certos pagamentos etc. Claro, não esperava que eu o salvasse, apenas que o ajudasse na emergência de momento.
A conclusão foi simples. Acuado, não tive como fugir. Preenchi um cheque com valor considerável e dei a ele. Depois disso ele alegou pressa. Tinha compromissos urgentes. Mal pegou o cheque foi se despedindo. Pela janela eu o vi atravessando a rua e desaparecer. Não cumpriria jamais a promessa de me devolver o dinheiro. Nunca mais o veria.
Sem perceber o meu copo estava vazio. O garçom me trouxe mais um chope que engoli devagar. Depois paguei a conta e sai. No metrô imaginei a decepção do amigo ao constatar que o cheque que lhe dera não teria fundos. Culpa da crise. Ela pegara todo mundo, ele, eu também.