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Naqueles anos
Naqueles anos Dona Isabel morava sozinha numa casa estreita e meia-parede. Entrando-se pela porta alta de madeira encontrava-se a escadinha que dava para o corredor onde existiam outras duas portas: a do lado esquerdo pela qual se chegava à sala/quarto; e a do fundo que servia de limite para a cozinha. Na sala/quarto Dona Isabel possuía a mesa redonda e, perto da janela que dava par a rua, a cama de solteiro onde ela dormia.
A casa de Dona Isabel fazia parte de um conjunto de edificações antigas numa das quais funcionava a cadeia do lugarejo. Que não se pense em cadeia nos moldes de hoje. Na verdade, tratava-se de um cômodo de paredes de pau-a-pique cuja janela fora obstruída por uma grade de madeira. Sabe-se lá porque a parede e a janela tinham sido pintadas de um vermelho que se desbotara com o tempo.
Também não se imagine que a cadeia servisse à prisão de marginais perigosos, meliantes conhecidos etc. Ali o único soldado responsável pela segurança local trancafiava pessoas embebedadas que, em geral, eram devolvidas à rua logo ao amanhecer. Passado o fogo, recuperada a razão, era hora de tornar aos afazeres do dia. Aliás, bom que se diga, a cadeia não era lá lugar provido de resistência, tanto que certa ocasião um preso desferiu forte golpe com o qual abriu parte da parede e pode dormir em casa.
Dona Isabel era mulher corpulenta e não consta que tenha se casado, daí o viver sozinha. Para se sustentar ajudava na alfabetização de crianças que frequentavam o Grupo Escolar do governo. Mães de alguma posse encaminhavam seus pequenos a Dona Isabel que os punha sentadinhos junto à mesa da sala/quarto e os ensinava as primeiras letras e continhas.
Assim passavam-se os dias de Dona Isabel que, certa manhã, saiu à rua, ainda de camisola, gritando por socorro: uma raposa que subira ao telhado urinara sobre ela que ainda dormia…
Não sei dizer o que terá acontecido a Dona Isabel. Certamente terá falecido em sua casa e conduzida ao cemitério pelos vizinhos. Imagino que o pequeno féretro terá passado pela igreja para as recomendações do padre antes do corpo baixar à cova.
Hoje em dia a casa de Dona Isabel não mais existe. Tempos atrás passei pelo lugar e lembrei-me do tempo em que minha mãe me enviava à professora para que me ensinasse a melhorar meus garranchos. Aliás, além de mim, creio que ninguém mais se lembre da casa e da mulher que nela vivia.