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Conversa interessante
Enquanto esperamos a advogada me fala sobre um mendigo que viu na rua. Andava ele mal trajado, sujo mesmo, mas segurava na mão um barbante ligado a um saco plástico vazio. Ia contra o vento de modo que o saco balançava no ar. De vez em quando o mendigo olhava para trás, conferia a posição do saco e sorria. Quando terminou o relato a advogada me disse:
- Que beleza é a loucura!
Olhamo-nos sem dizer nada, em acordo. Loucura mansa seria o ideal. Loucura que nos pouparia das lambanças da vida, dos compromissos inadiáveis, de responsabilidades enormes que muitas vezes nem sabemos direito como as assumimos.
Pensávamos nas delícias da liberdade de não raciocinar logicamente, na abstração que o delírio ingênuo e sem nexo poderia nos dar. De repente a imagem do mendigo ganhava proporções mágicas, como se fosse ele arauto de uma nova verdade que, entretanto, desconhecia e absolutamente não lhe importava. O mundo resumido a passos na calçada e ao vai da valsa de um saco plástico, dançando ao sabor do vento.
Conheci um homem que descarrilou como de diz. Chefe de família, responsável, trabalhador, de repente foi tomado pela mania de grandeza. Eu mesmo o encontrei certa vez e ele me deu uma moeda de alguns centavos, recomendando que a guardasse, tomasse cuidado porque se tratava de muito dinheiro. A família só se deu por achada em relação ao problema quando o homem mandou fazer, de uma só vez, dez ternos num alfaiate. E dizer que ele nunca usava ternos…
Às vezes me lembro desse homem, meio aparentado de parentes meus, sujeito lhano e de olhar tranquilo. Algo se operara no cérebro dele, levando-o a outros caminhos manifestos pela mania crescente em seus hábitos. Desde que o conheci me incomoda aquilo que sempre compreendi como fuga, não mais que a adoção de outro discurso, diferente do proferido pelos outros mortais.
Dirão que a loucura é horrível, recomendarão visitas a manicômios para constatar a triste realidade dos insanos. É verdade, é verdade. Entretanto, nesses dias tão tumultuados não consigo deixar de invejar o tal mendigo, guiando e sendo guiado pelo saco plástico no ar, sendo sua última preocupação e dever mantê-lo acima do chão, sempre aproveitando a direção do vento, vivendo ao sabor do vento.