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Recomeço
As pessoas seguem lentamente. Fazem tudo como se estivessem a aquecer os motores pessoais. Veículos testando o poder de arranque.
No café da manhã um olhar ao mundo lá fora. A quietude incomoda. Muita gente ainda nas estradas, nada do trânsito caótico na cidade. Um amigo me liga e relata que passou mais de 7 horas na estrada para o retorno a São Paulo. Todo ano é assim. Multidões seguem em direção ao litoral. Muita cerveja, salgados, doces, comemorações. A vida é bela.
Existe o noticiário que não nos abandona. A crueza da realidade entra cortante na pasmaceia do ano que recomeça tão devagar. Um homem comemora a passagem de ano dando um tiro para o alto. Irresponsavelmente. O projétil alcança a cabeça de um menino de 5 anos que, atingido, falece. A notícia nos incomoda. Não se tira a vida de alguém assim. A mídia passa a ter assunto. O delegado é entrevistado. Um rapaz de 20 anos é preso, mas libertado em seguida porque ainda não se confirma ter sido o autor do crime. Ele comprou um revólver na Feira da Madrugada por mil reais. Estreou a arma na passagem de ano. Agora a perícia da polícia compara o projétil com a arma. A ver no que isso vai dar.
Nas estradas acidentes e mortes. Do Peru a notícia de um ônibus que caiu numa ribanceira. A bordo 55 pessoas com 30 mortos. O novo ano não os quis, rejeitou-os.
Há que se agradecer ao ano que começa por ter-nos aceitado. O ceifador poderia ter nos levado minutos antes da passagem. Por que não? Humanos somos cheios de vida, mas carentes de perspectivas. Não comandamos nem ao menos nosso tempo de vida. Talvez por isso os anos do calendário vez ou outra se tornem ferozes. Trata-se de uma vingança. Acontece porque os anos do calendário são os únicos seres que tem hora de nascimento e morte datada. A alegria da passagem dura exatamente o tempo decorrido para o início de outra passagem.
Vi na TV que no ano de 1988 os relógios atômicos do mundo foram atrasados por um segundo. Na época descobrira-se que a Terra vinha girando mais devagar. Foi preciso acertar as horas do mundo com o movimento da Terra. Estava vivo nesse dia e nem me dei conta da mudança.
Habituados ao movimento frenético do dia-a-dia estranhamos a lentidão dos homens nas primeiras horas do ano que começa. Mas, que não se enganem. Daqui a pouco os leões tornarão a rugir e as multidões se perderão em meio a esbarros inesperados, cada um cuidando de sua própria permanência no mundo. A partir daí só nos resta esperar que este 2018 seja melhor, mais pacífico e que os homens se entendam.