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Os filhos do Brasil
A crítica especializada que diariamente se ocupa do que acontece no Brasil parece habitar um oásis de civilização. Acomodados nos grandes centros e protegidos pelas benesses culturais próprias de seu meio, os homens que se interessam pelos fenômenos sociais brasileiros ignoram, talvez propositadamente, a visão de conjunto, a grande diversidade de homens e coisas abrigadas pela vasta extensão territorial do país. Isso é o que se depreende da leitura diária dos jornais e do noticiário que se chega até nós através de outros meios de comunicação.
Note-se que não se está a dizer que falta aos emissores de opiniões conhecimento sobre a realidade do país. Ocorre que os seus olhos voltam-se mais para a modernidade decorrente de avanços verificados em todas as áreas do conhecimento. Olhar para cima e não para baixo, olhar para fora e não para dentro, medir-se com os mais avançados, igualar-se, superar as crônicas visões de inferioridade do país em relação aos mais desenvolvidos. É desse modo que uma classe alta de investigadores do cotidiano comunica-se com uma classe alta de consumidores de notícias e comentários sobre o país. Acontece que Brasil simplesmente não é aquele que retratam: o país figura nas análises que lemos e ouvimos como, no máximo, parte do que realmente é.
O outro Brasil todo mundo conhece, sabe-se sobre a sua existência. Entretanto, esse outro país parece ser observado a sob lente de um microscópio. Trata-se de uma investigação em moldes laboratoriais, através da qual se separa uma pequena parcela do todo, trazendo-a para um ambiente seguro no qual se procede a uma análise fria em busca de resultados práticos que expliquem e dêem sentido aos acontecimentos.
Eis que aí algo aparece para quebrar a rotina, invertendo as regras do jogo. Fenômenos de popularidade emergem da massa informe e sem nome, galgando altas posições. Nessas novas condições espera-se dos emergentes posicionamentos e comportamentos que correspondam aos padrões a que os analistas estão habituados. Mas, os novos homens que chegam ao poder não podem agir segundo o figurino cultural estabelecido. É simples explicar por que: falta-lhes a formação esperada para tanto, outra foi a escola prática que frequentaram, outros os obstáculos que superaram e até, em alguns casos, suas atitudes passam a ser inconscientemente moldadas pela necessidade de compensação da anterior inferioridade.
O ciclo se fecha com as desabridas críticas a modos de ser considerados intoleráveis. Ofendem-se os críticos por serem taxados como elite. Um abismo se instala entre a inteligência de formação universitária e a inteligência natural lapidada fora das escolas.
O Brasil é um país imenso, muitas vezes maior que os redutos dos grandes centros nos quais vivem os homens que ditam normas e comportamentos. É preciso lembrar que o Brasil é muito, muito mesmo, mais periferia do que centro. Fora dos centros vivem milhões de pessoas cujas vidas se passam em ambientes de grande simplicidade, senão pobreza. Essas pessoas estão nas ruas, amontoam-se aos milhares em feiras livres de pobreza inacreditável e vivem à margem das vantagens do capitalismo. Vez por outra algumas dessas pessoas ganham destaque, dado que inteligência é o que não falta aos brasileiros.
Hoje em dia as populações despossuídas e as classes menos abastadas mostram-se mais esperançosas. Não importa que na prática pouco ou quase nada de melhora aconteça nas suas vidas. Uma vasta e inteligente propaganda faz uso de uma linguagem inteligível a essas pessoas, tendo implícita a promessa de dias melhores. E não há porque não acreditar nos emissores das novas mensagens porque alguns deles surgiram do coração da massa desvalida. Uma dessas pessoas, em particular, tornou-se prova viva de que todas as barreiras podem ser superadas. Por isso, converteu-se num grande fenômeno de popularidade.
É com esses fatos que a crítica especializada deve e precisa dialogar, se possível despida de preconceitos.