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Não adianta reclamar: meus vizinhos são doidos pelo tal sertanejo universitário. Moramos, lado a lado, há 20 anos e nunca tive razões para me queixar deles. Gente boa e atarefada. Agora, porém, os vizinhos estão reclusos como de resto toda gente. Eis que da noite para o dia o apartamento deles se torna caixa de ressonância. As sessões começam cerca de 11 da manhã e duram até a madrugada seguinte. E não é só para ouvir o sertanejo: os vizinhos cantam junto, aliás cantam bem alto.

Não que eu tenha algo contra o sertanejo e afins. Na verdade, tenho um traumazinho trazido da minha infância. Defronte a casa onde morávamos um japonês tinha um bar no qual, aos domingos, cantores de moda de viola se reuniam. As sessões começavam após o fim da missa das dez da manhã. Naquele tempo as pessoas vinham das roças para a missa, gente fervorosa que era. Era o dia de descanso de pessoas que davam duro nas plantações, cumprindo tarefas difíceis. Uma tarefa compreende a realização de trabalho numa área de 0,33 hectares. Não é mole.

Pois bem. Terminada missa as pessoas circulavam na rua de chão de terra, aproveitando para compras de mantimentos que serviriam para a semana. Hábito curioso era o de membros de algumas famílias sentarem-se, formado uma roda. Nessa roda passavam, de pessoa para pessoa, uma panela grande e uma colher. Era o almoço comunitário no qual cada um retirava da panela uma boa colherada, passava depois ao membro do lado e aguardada que a panela completasse o ciclo, retornando até ele.

Era assim. Mas, a essa altura as duplas caipiras já haviam se organizado no bar do japonês. E começava a cantoria que durava até o anoitecer. Cantores com violões e uns goles da boa pinga bastavam para alegria geral.

Assim, as tardes de domingo na nossa casa eram um verdadeiro inferno. As duplas eram animadas e muita gente ficava na rua, defronte o bar, para ouvi-los. Quanto a nós não existia em nossa casa um único cômodo no qual não chegasse o som das modas de viola…

Comecei falando sobre a barulheira dos meus vizinhos e me perdi em lembranças dos meus tempos de rapazote. A bem da verdade não há como não ter saudades daquela estranha reunião musical que tanto nos incomodava. Aquele mundo das gentes que vinham da roça aos domingos foi sucateado pelo tal desenvolvimento. O mundo mudou. Mudou tanto que agora fica sem saber bem o que fazer diante da pandemia provocada por um vírus que veio da China.

No mundo da música

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Sempre tive o relógio atrasado em termos de gosto musical. Quero dizer que muitas vezes passei a gostar - e entender - determinado gênero quando ele já saíra de moda. Isso sem falar em apresentações às quais compareci e que passaram em branco para só mais tarde vir a ter consciência da grandeza daquilo a que assistira. Daria tudo, por exemplo, para que outra vez pudesse estar na plateia do Teatro Municipal de São Paulo, assistindo a uma apresentação do saxofonista Stan Getz. Confesso que só muito tempo depois daquela noite me dei conta do raro momento musical que presenciara, ou seja, cheguei aos solos de Getz mais tarde. Também confesso que acompanhei à ascensão dos Beatles sem me dar conta da importância do conjunto. Um parente adorava o grupo inglês e tocava seus discos o tempo todo. Eu ouvia com algum distanciamento. Só anos depois me aproximei das músicas dos Beatles e observei a beleza de algumas das composições de Lennon e MacCartney.

Não sou afeito à música sertaneja e não sei dizer se nisso também estou atrasado. Quem sabe dentro de algum tempo eu passe a gostar dela. Na minha infância morei num lugarejo. Do outro lado da rua defronte a minha casa, havia o bar de um japonês no qual, aos domingos, compareciam violeiros que passavam horas cantando. A “moda de viola” era a música padrão do local e todo mundo gostava dela. Talvez porque eu fosse submetido a horas daquela música - não havia como não ouvir, exceto saindo de casa - cansei-me dela. Não sei dizer se isso é correto, mas creio que a “moda de viola” faça parte das raízes da atual música sertaneja.

Nos anos 1980 trabalhei num jornal de grande emissora de rádio em São Paulo. Entrávamos no ar nas manhãs e me cabia comentar assuntos ligados à área de saúde.  Não sei se ainda é assim, mas os estúdios de rádio eram um primor de organização montado dentro de espaços restritos. Um contrarregra que só não fazia chover, um locutor e repórteres espalhados pela cidade geravam uma atmosfera informativa de enorme alcance. O interessante é que, com frequência, artistas renomados visitavam os estúdios das rádios, obviamente visando uma política de boa vizinhança para que suas músicas fossem lembradas e incluídas na programação.

Foi numa dessas visitas que conheci o cantor Wando, falecido há pouco tempo. Era ele um dos grandes do gênero brega romântico, adorado, famoso por jogar calcinhas para as fãs durante os seus shows. Sujeito envolvente o Wando, habituado à celebridade, fazendo da fama o uso conveniente sem apelar para o estrelismo. Na ocasião, abraçou uma a uma das pessoas que trabalhavam no estúdio e nunca me esquecerei do modo educado como se dirigiu a mim.

Hoje se noticia a morte de Reginaldo Rossi um dos grandes do gênero brega. Pertencia ele à velha-guarda de cantores da música romântica popular e sempre assumiu ser mesmo “brega”, embora as conotações negativas muitas vezes emprestadas ao termo.  Reginaldo era conhecido como “Rei do Brega” e sua  morte comove sua grande legião de fãs.