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Gabriela
São passados quatro anos desde o dia em que deixamos você na campa do cemitério. Difícil entender como a vida de repente deixa de existir. Voltamos para casa sem você, capítulo encerrado. Encerrado? Jamais! A morte leva as pessoas, mas não apaga em nossos corações e memórias o transe da perda. Assim, você continua presente. O diálogo com os mortos permanece ativo. Não há dia em que eu não me lembre de você. Agora mesmo, olhando para cadeira vazia defronte a minha mesa, posso ver você na plenitude da juventude depois rompida pela doença que a levou.
Nunca saberemos se de fato existe alguma coisa depois da morte. O “outro mundo” afinal existe? A alma sobrevive ao corpo conforme nos garantem as religiões? Se assim for você estará por aí, em algum lugar, vagando no éter. E de lá poderá constatar que ainda sofremos com a sua perda.
Pois é. Os anos passam, entretanto, é como se tudo tivesse acontecido ainda ontem. Não foi há pouco que você me enviou aquele e-mail com o resultado da biópsia no qual se diagnosticava o carcinoma? E a ida ao médico? Lembra-se de que, no fim da consulta, pedi para você esperar fora da sala, alegando que precisava me consultar sobre um problema de saúde que na verdade não tinha? Pois naquele dia, naquela hora, naquela terrível hora, ouvi a sentença sobre o seu futuro entre nós: você vai perder a sua filha - garantiu o médico.
Dai para a frente foram três anos de luta permanente contra o câncer. Estive com você a cada passo, lembra-se? Sofrendo quieto. Assistindo ao avanço da doença que medicamentos e a cirurgia não lograram impedir. Quantas horas passamos juntos nas sessões de quimioterapia. Lembra-se daquele programa sobre emagrecimento que assistíamos nas tardes enquanto os soros corriam, lentamente, para dentro das suas veias?
E quanto à queda dos cabelos? Meu Deus, que triste. Os seus lindos cabelos caindo, arrancados pela brutalidade dos quimioterápicos. E as sessões de radioterapia que nos preocupavam porque àquela altura as metásteses haviam alcançado o cérebro?
Gabriela você lutou muito. Bravamente. Jamais ouvi de você uma só queixa. Enfrentou a doença e se submeteu ao tratamento sem jamais reclamar. Nem mesmo quando nos aproximávamos do final você fez uso de uma única palavra de revolta contra um mal que vinha ceifá-la em plena juventude.
Mas, o período final foi terrível. Aquela manhã em que fui buscá-la para irmos ao hospital e você me ligou, pedindo ajuda, porque não conseguia nem mesmo se vestir. O dia em que fomos à pneumologista para tratar das metásteses pulmonares que se espalhavam e já comprometiam a sua respiração. Ou a nossa ida a uma loja de materiais de construção na qual você, sempre guerreira, evitou o elevador e quis subir pela escada. Lembra-se? Pois não conseguiu passar do quinto degrau e tivemos - eu e o vendedor - que ajudá-la.
Repasso sempre os derradeiros dias em que você já não mais saiu do hospital. No último aguardávamos a sua inevitável partida. Você morreu na madrugada sem que eu estivesse ao seu lado. Cheguei minutos depois, gritei como um louco dentro do quarto. Abracei seu corpo ainda quente, mas já sem vida. Vi na sua axila a enorme bolsa gerada pela inflamação dos gânglios linfáticos. Chorei.
Você estava, finalmente, morta. Parara de sofrer. A estupidez da morte precoce abria um sulco incurável em nossos corações.
Lembro-me de seu rosto no último momento, antes que o caixão fosse introduzido na campa. Você estava linda. Parecia dormir. Dormira para sempre.
Saudades. Pai.