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Grandes Jogos: Seleção Brasileira X Seleção de São Paulo, 1977
16 de junho de 1977. O clima no futebol brasileiro não era dos melhores. As diferenças de opinião apaixonavam as multidões. Desnecessário dizer que, como sempre, a torcida tinha o seu quinhão de razão. O futebol tem desses mistérios: há um momento em que, de repente, surge um consenso, algo gerado pela visão coletiva e que é sempre acompanhado pela surdez dos dirigentes. Todo mundo vê, todo mundo sabe, o óbvio ululante de que nos falou Nelson Rodrigues instala-se. Então, dois ou três homens que detêm nas mãos o poder de mudar as coisas discordam. E dá no que dá, no choro das multidões, nas discussões acaloradas, nas bebedeiras infernais que podem terminar até em morte.
Aquele inverno de 77 não foi um inverno feliz. Estávamos no coração da ditadura. O Almirante Heleno Nunes comandava a CBD. Perdêramos a Copa de 1974 e os princípios de individualidade e criatividade, nossas históricas características, eram condenados. O fabuloso futebol de equipe da Holanda que nos derrotara na famosa Batalha de Dortmund abalara as crenças na individualidade.
Foi desse limbo que emergiu Cláudio Coutinho. Homem moldado sob a rigidez militar, preparador físico bem sucedido e afinado com o método de Cooper, foi chamado para comandar a seleção nacional. Entronizado como técnico fez-se doutrinador de uma teoria de futebol coletivo, posicionamentos não rígidos etc. Coutinho foi mais longe: criou terminologia própria para esquemas de jogadas. Foi assim que termos como “overlapping” e “ponto futuro”, hoje felizmente sepultados, foram incorporados à história do futebol brasileiro.
Coutinho convocou para a futura Copa de 78 jogadores que mais se adequassem, segundo a sua opinião, ao futebol coletivo. Por essa razão, por exemplo, preferiu a garra de Chicão ao grande futebol de Falcão, na época o melhor armador do futebol brasileiro. Obviamente, as opiniões de Coutinho não coincidiam com as da maioria da torcida brasileira que era contrária aos seus métodos.
Foi dentro desse clima que se realizou o jogo entre a seleção brasileira e a seleção paulista. Era uma quinta-feira e um público de quase 103 mil pessoas compareceu ao Morumbi para torcer pela seleção paulista. Todo o inconformismo da torcida paulista com Coutinho se traduzia na necessidade de derrotar a seleção brasileira. Tratava-se de guerra entre irmãos, porém necessária. Aliás, desde o começo do jogo o grande público rendeu homenagens a Cláudio Coutinho: mais de 100 mil pessoas repetiam em uníssono aquele um, dois, três, mil, queremos que o Coutinho vá para….
E foi um jogo e tanto. A seleção nacional começou o jogo com a seguinte escalação: Leão, Zé Maria, Luis Pereira, Amaral e Rodrigues Neto; Toninho Cerezo, Zico e Rivelino; Zé Mario, Roberto Dinamite e Paulo Cesar. Os paulistas tinham: Valdir Peres, Gilberto, Beto Fuscão, Zé Eduardo e Claúdio Mineiro; Badeco, Ademir da Guia e Palhinha; Vaguinho, Enéas e Zé Sérgio.
A partida foi eletrizante desde o primeiro minuto. Os paulistas seguraram bem a seleção nacional no primeiro tempo que terminou empatado em 0 a 0. A linha de São Paulo era leve e terrível, atuando com dois pontas avançados (justamente o oposto daquilo em que acreditava Coutinho) e tinha no meio o fenomenal Enéas. Infelizmente para os paulistas do outro lado havia Luis Pereira, um dos maiores centrais da história do nosso futebol. Pereira tirava tudo, toda a trama dos dois pontas com Enéas terminava em seus pés ou nos seus cortes pelo alto.
Por outro lado, a seleção brasileira contava com jogadores excepcionais. Rivelino, Zico e Cerezo compunham um meio de campo de dar inveja a qualquer equipe em qualquer época. Daí que o jogo foi uma sequência de lá e cá, realmente emocionante.
No segundo tempo foram realizadas substituições nos dois times. Entre elas impressionou muito a troca de Zico por Paulo Isidoro. Era de se ver Isidoro, então craque do Atlético Mineiro, cruzando a linha média paulista, correndo de um lado para outro com a bola, infernizando a defesa contrária.
A seleção nacional emudeceu o Morumbi logo no início do segundo tempo com um gol de Paulo Cesar. Mas os paulistas se recuperaram através de um pênalti convertido por Cláudio Mineiro.
O jogo terminou empatado em um gol para cada lado. No final houve um escanteio para os paulistas. Zé Sérgio cobrou maravilhosamente, mas Luis Pereira, sempre ele, tirou de cabeça e desfez o sonho de vitória dos torcedores locais.
Na saída do Morumbi o público mostrava-se conformado. Se as teorias de Coutinho não serviam, os valores individuais continuavam dando consistência à seleção nacional. Seria assim durante a Copa de 78 na Argentina. Mas isso já é outra história.
Futebol e crise
Está acontecendo no Irã: a crise política em que o governo é acusado de fraude nas eleições chega ao futebol. Os jogadores que usaram fitas verdes (sinal de simpatia com a oposição) estão banidos para sempre da seleção nacional do Irã. Entre eles está o melhor jogador e ídolo do país.
Coisa sempre indefinida é o tal termômetro da crise. Na economia, por exemplo, ele quase nunca funciona. Especulações aparecem e analistas se debruçam sobre índices, mas o cara que lê o jornal fica sempre com a sensação de estar num barco sem rumo, governado pela força das ondas. Além disso, todo mundo sabe que economista no leme é sempre um perigo.
E para as crises no futebol, existe termômetro? Creio que vários deles possam ser citados, mas o melhor é representado pela torcida dos outros times. Quando torcedores rivais diminuem a gozação e mostram certa pena do time para o qual torcemos fica claro que a crise é tremenda.
Isso é o que está acontecendo com o São Paulo atualmente. No início as derrotas do time vencedor causaram frisson nas torcidas adversárias. Mais resultados ruins e a demissão do técnico campeão tiraram um pouco a graça das gozações. Derrota que vira rotina é desgraça e aí o torcedor adversário começa a se ver chutando cachorro morto.
Na cabeça dos torcedores do São Paulo a crise vai passar, tem que passar e logo. Entretanto, outra nuvem negra paira sobre a nação tricolor. Trata-se da opção de o clube empenhar-se na reforma do Morumbi, gastando uma fortuna que não possui. A própria diretoria já avisa que os gastos da reforma exigida pela FIFA refletirão sobre o elenco. Aí sim a torcida poderá ter idéia do que é uma verdadeira crise, com termômetro ou sem ele.
Os mais novos não sabem, mas durante a construção do Morumbi o São Paulo ficou alguns anos sem dar alegrias à sua torcida. A coisa ficou muito feia. Para que se tenha idéia, anos depois o presidente do clube na época da construção do estádio, Laudo Natel - depois governador do Estado de São Paulo - contou que certo dia, ao chegar em casa, depois de uma partida em que o São Paulo venceu o Taubaté, ouviu da sua mulher a seguinte pergunta:
- Quanto foi?
- 5 a 1, respondeu ele.
E ela:
- Quem fez o nosso?
Então é isso. Existem coisas um tanto difíceis de compreender para o cidadão comum. Afinal, na ponta do lápis qual é a relação de custo/benefício com a realização da Copa do Mundo no Brasil? Para um clube particular como o São Paulo que vai custear a reforma do estádio, como fica a situação? E para o Brasil, país no qual impera a desigualdade social e onde setores como a educação, a saúde e a segurança reclamam grandes investimentos o que representa a realização da Copa do Mundo?
Respostas e cálculos devem existir, certamente vantajosos para as partes envolvidas. Se tudo estiver em acordo, ótimo. Afinal, a nossa paixão pelo futebol não tem limites.