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As boas festas
Aproximam-se o final do ano e as festas de natal e ano novo que não deverão acontecer em sua plenitude. Corre por fora o agravamento do número de casos pelo Covid-19. De modo que será essa, talvez, uma das mais melancólicas passagens de ano de nossa época.
Festas de fim de ano são feitas de congraçamento e união entre os seres humanos. As queimas de fogos simbolizam comemorações pelas dificuldades vencidas e esperança no que existe pela frente. Há quem não goste, mas no geral opta-se pela integração ao espírito da ocasião. Na tradicional ceia de natal familiares reúnem-se, em alguns casos esforçando-se para aturar desavenças do passado. Mas, são ceias tradicionais. Os mais velhos, avôs e avós, fazem questão de que suas crias e descendentes estejam presentes, afinal são eles o produto de sua união e aventura na passagem por esse mundo.
Nem sempre, entretanto, as coisas se passam com felicidade. Guardo na memória uma passagem de ano sem nenhuma alegria. Era o ano de 1968 e estava na cidade de São Paulo. Na ocasião preparava-me para as provas de ingresso às faculdades que aconteceriam nos primeiros dias de janeiro. Minha família havia viajado de modo que estava sozinho. Sabe-se da impressão de isolamento que a grande cidade impõe nos momentos em que está mais silenciosa. Com o esvaziamento das ruas devido a viagens ao interior pouca gente se via. Em todo caso, no período da manhã, decidi dar uma volta no centro da cidade. Tomei um ônibus na Vila Mariana e desembarquei perto da Praça da Sé. Depois segui pelas ruas centrais. Se não me engano estava na Rua XV de novembro quando alcancei o meio-dia. Então dos prédios começaram a cair chuvas de papel picado. Era o ano novo dos funcionários de bancos e empresas. Fiquei ali, no meio da rua, parado, recebendo na face pedaços de papel que mais pareciam vindos do céu.
Entretanto, durante a boa festa de papel picado houve um contratempo. Acontece que justamente naquele momento garis da prefeitura ocupavam-se em varrer as ruas. Obviamente, a inesperada chegada do papel complicou o serviço. Então eis que um dos garis atirou a vassoura longe e, olhando para cima, passou a gritar: joga mais, joga mais…
A imagem desse homem, de braços abertos, protestando contra a sujeira que seria obrigado a limpar, nunca me saiu da memória. Era um 31 de dezembro e eis que ali estava ele, no meio de uma montanha de papel absurda, provocativa, para ele sem nenhum significado que a ligasse à alegria daqueles que, de cima, a enviavam.
No mais foi um 31 de dezembro melancólico. Se bem em lembro fui dormir bem antes da meia-noite. Fui acordado com o ruído de uns poucos foguetes que vizinhos entusiasmados enviaram aos céus.
Na manhã seguinte acordei para estudar. Estávamos em 1969 e a vida, a sempre preciosa vida, precisava continuar.