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O Solista
Joe Wright, o diretor de “O Solista” (The Soloist) apoiou-se na música de Beethoven para conferir grandeza à loucura de Nathanael Ayers, interpretado por Jamie Foxx. As lindas cenas aéreas da cidade de Los Angeles são exibidas ao ritmo das músicas do compositor alemão.
Não é a primeira vez que o cinema utiliza como ingredientes a genialidade musical e a loucura, compondo personagens que nos transferem uma tremenda sensação de desperdício de talento. É como se Deus ensinasse a um homem como voar para logo depois cortar as suas asas, deixando-o incompleto e perdido num labirinto mental do qual jamais poderá sair.
E é bem isso o que acontece a Ayers, talentoso jovem músico que chega a frequentar a prestigiosa escola de Juilliard, de Nova York, mas que não completa o curso porque é esquizofrênico. A partir daí Ayers passa a viver nas ruas, entre mendigos, eventualmente tocando violino e violoncelo.
Robert Downey Jr. interpreta o colunista Steve Lopez, do jornal Los Angeles Times, que casualmente encontra-se com Ayers e vê nele a chance de publicar boas matérias. É Steve Lopez quem narra a história do seu relacionamento com Ayers. Ao narrador em primeira pessoa compete conduzir o espectador na investigação do passado de Ayers recompondo o mundo da sua infância e o longo processo que culmina no aparecimento da esquizofrenia. Para isso, Lopez segue Ayers interessando-se cada vez mais por ele. Entre os dois estabelece-se a forma de relação possível entre um jornalista em busca de assunto e um esquizofrênico nem sempre conectado à realidade.
O grande erro de Lopez reside nas suas infrutíferas tentativas de “normalizar” Ayers como se ao amigo esquizofrênico pudesse ser devolvida a razão. Ayers se liga afetivamente a Lopez, mas não pode satisfazer às expectativas do novo amigo que o quer morando num quarto limpo e estudando música: os velhos fantasmas que habitam a consciência de Ayers continuam ativos pronunciando-se repetidamente nos momentos mais estressantes. Essa a razão pela qual fracassa um recital de Ayers para um público seleto que se reúne para vê-lo: Ayers entra no palco, mas é impedido pelas mesmas vozes que o atormentaram no passado, levando-o a um comportamento colérico e violento que encerra a apresentação mesmo antes de seu início.
Ayers não pode ser curado. A Lopez resta o meio termo entre ajudar o músico e aproveitar-se dele para se promover em sua profissão.
Há quem tenha achado “O Solista” um filme maravilhoso. De fato, há beleza e sensibilidade na trama conduzida por Joe Wright. É emocionante a cena em que Lopez dá a Ayers um violoncelo e ele começa a tocar uma música de Beethoven, debaixo de um viaduto e concorrendo com a ruído dos carros que passam. São também interessantes os recursos narrativos utilizados por Wright que desliza da narração em primeira pessoa de Lopez para situações do passado de Ayers, exibidas em flash back.
Entretanto, há no filme algo que não convence, algo de superfície que não chega a se interiorizar. Se Donwney Jr. está bem como Lopez o mesmo não se pode dizer de Foxx como Ayers. A atuação de Foxx é tecnicamente perfeita, irrepreensível, porém com alguns altos e baixos no tocante ao seu envolvimento com a personagem que interpreta. Foxx talvez não seja um ator de primeira escolha para interpretar um esquizofrênico e isso diz tudo.
“O Solista” leva o espectador, em muitos momentos, a achar que assiste a um grande filme. Entretanto, essa impressão se desvanece principalmente quando o diretor se empenha em “situar” Ayers dentro do mundo sórdido das ruas cheias de mendigos ou no abrigo onde vivem deficientes mentais. A tentativa de impactar o espectador com uma realidade à qual não está habituado e o contraste entre a sensibilidade e a sordidez dos meios frequentados por Ayers não fogem aos clichês comumente utilizados em obras do gênero.
Ayers e Lopez são personagens reais que Wright levou para a tela, talvez exagerando em sua tentativa de reprodução da realidade. Nem sempre o mundo real e a própria realidade se afinam por inteiro com a sétima arte, exigindo dos diretores de filmes algum esforço extra de imaginação para que fatos cotidianos não contaminem demais o aspecto ficcional do cinema.