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Desconforto
O fato é que, do jeito que as coisas seguem, não se pode dormir tranquilo. No país em crise o novo governo, infelizmente, ainda não disse a que veio. Em dois meses a popularidade do presidente caiu bastante. A classe média não perdoa a imprevisibilidade econômica e a falta de segurança.
O que se vê por aí é um grande suspiro de insatisfação. O brasileiro está cansado dos políticos, do judiciário e do legislativo. O que se quer é a tal ordem e progresso, dizeres um tanto apagados na bandeira.
Notícia boa não vende bem, daí a mídia a cada dia esmerar-se na divulgação de incertezas e tragédias. Situações que talvez não mereceriam destaque em outras conjunturas são alçadas ao primeiro plano. Por outro lado, crimes hediondos são trazidos às primeiras páginas.
O problema está no fato de que essa intensa cobertura com divulgação de más notícias deprime. Dirão que não há como se viver fora da realidade que nos cerca. É verdade, mas será preciso tanto?
A situação dos venezuelanos é terrível. Na fronteira entre o Brasil e a Venezuela acontece de tudo. Pessoas atravessam a fronteira a toda hora, algumas fugindo da Venezuela, outras em busca de suprimentos. A fome afeta grande parte da população venezuelana. Outro dia vimos cenas de pessoas junto a um caminhão de lixo, comendo lixo para matar a fome.
Chega uma hora em que a tendência é fechar os olhos, não por dar as costas, mas pelo horror ao presenciarmos seres humanos, nossos irmãos, em situações tão deploráveis.
Numa vida tão complexa e difícil como a atual seria recomendável, vez ou outra, a publicação de notícias pelo menos um pouco animadoras. Não se trata de mentir, de criar fake news. Trata-se de alimentar, pelo menos um pouco, a tão combalida esperança das pessoas.
Em sua edição de hoje o jornal “Folha de São Paulo” publica foto de um venezuelano vitimado pelo Sarcoma de Kaposi. Na Venezuela a falta de reagentes tem deixado doentes sem diagnóstico de AIDS. O Sarcoma de Kaposi era comum em aidéticos nos anos 80.
Entretanto, a notícia é dada em primeira página e acompanhada de uma foto que não deixa de ser constrangedora. Uma senhora observa o corpo de seu marido dentro do caixão. Do morto vê-se a face na qual se observam manchas escuras decorrentes da doença que o vitimou.
Trata-se de um contato direto e sem mediação com a face da morte. Causa-nos funda e desconsoladora impressão. A foto de hoje soma-se ao noticiário sobre mortes e tragédias que, nos últimos tempos, tanto tem nos comovido e assustado.