Arquivo para ‘o barqueiro da morte’ tag
Ainda a morte
Com a morte não existem acordos. Em seus domínios ela impera. Mais parece aquele pistoleiro cuja sina é matar não importa a quem. Aos vivos cabe desviar-se do trajeto dela que por vezes parece se divertir. Está na internet o vídeo de um muçulmano que, vindo na calçada, vê cair a milímetros de seu corpo uma enorme placa de vidro. O vidro que vem do alto se espatifa, o homem cai e logo se levanta assustado. A vida desse homem prossegue por golpe de sorte, segura por poucos milímetros de distância. Não era o dia dele. A morte ri.
A morte é inventiva. Ela tem seus métodos de ação. Ninguém está seguro quanto ao modo de morrer. Com ou sem sofrimento? A morte caminha entre os leitos dos hospitais, por vezes deixando de levar aqueles que passam por longo período de dor. Ela faz-se de surda aos que imploram pelo fim, ignorando seus apelos. E leva a criança já na fase de alta que subitamente engasga. Talvez à morte o desespero dos pais seja como ato de peça a que vale a pena assistir.
Morre-se de várias maneiras, tantas vezes inesperadamente. A morte ignora credenciais. A ela não importa se rico ou pobre, fraco ou forte, bom ou mau. Age indiscriminadamente porque desde que a vida existe cabe a ela a função de encerrá-la. Daí a consciência que tem a morte de que ela é uma instituição poderosíssima, o maior poder existente no planeta, maior ainda que a própria vida que a ela sucumbe.
A morte a tudo iguala. Trata com isenção o letrado e o analfabeto. Como o imortal Caronte leva para o outro lado do rio Aqueronte seus passageiros, cobrando-lhes taxa pela travessia. Dante foi levado ao outro lado no barco de Caronte que, a princípio, não queria transportá-lo porque, sendo vivo, era pesado. Socorreu ao poeta o falecido Virgílio dizendo a Caronte que Dante deveria passar por expressa ordem celeste à qual o barqueiro obedeceu.
Há os que morrem naturalmente e os que colocam fim à própria vida; há os que lutam pela vida e os que rogam pela morte; há os que falecem na calmaria de seus leitos e os que desaparecem vitimados em conflitos; há os que sucumbem pela doença e os ceifados em plena força; há de tudo no feroz domínio da morte que diariamente nos espreita e conta os nossos dias.