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O filho de Bob Fields
No início dos anos 70 os Cursos de Madureza proliferavam em São Paulo. Eram milhares de comerciários e trabalhadores de várias áreas que se inscreviam em cursos - em geral noturnos - preparando-se para provas que dariam a eles os diplomas equivalentes dos cursos regulares de ginásio e colégio. Assim, ao invés dos quatro anos de curso ginasial e três do colegial realizava-se uma prova que garantiria aos interessados a possibilidade de tentar o curso superior. As provas eram marcadas uma ou duas vezes ao ano e, quando aconteciam, milhares de alunos migravam para os locais em que seriam realizadas, muitas vezes fora de seu estado de origem. Pode-se dizer que a festa acabou quando os exames foram banidos e passaram a existir cursos regulares de madureza nos quais a frequência obrigatória durante períodos determinados conferia a conquista dos diplomas.
Como sempre acontece existiam bons e sofríveis cursos de madureza. Fui professor de um dos maiores que existiram em São Paulo. O “Santa Inês” era o grande curso de madureza na época, mantendo muitas unidades na cidade. Numa delas conheci um aluno a quem os colegas alcunharem de “Tuti”. Esse Tuti era uma rapazote dos seu 20 anos de idade, gordinho, muito falante, inteligente, mas não de todo preso ao comportamento habitual. Usava óculos de lentes grossas, piscava muito e o rosto emprestava ao todo o aspecto de alguma anormalidade. Entretanto, era ótima pessoa. Falava pelos cotovelos muitas vezes atropelando as palavras. E contava com a amizade de seus colegas a quem divertia com suas inesperadas colocações.
O que mais intrigava nesse rapaz era o fato de afirmar ser filho do famoso economista Roberto Campos que fora Ministro do Planejamento do governo Castelo Branco entre 1964 e 1967. Campos era conhecido pela aguda inteligência, tendo sido diplomata e político. Exercera funções significativas no segundo governo de Getúlio Vargas, no de Juscelino, e apoiara o golpe militar de 1964. Autor de vários livros colecionara adversários. Muitos o distinguiam com a pecha de “entreguista”, acusando-o de defender interesses dos Estados Unidos. Por essa razão o radialista Vicente Leporace costumava citá-lo - e atacá-lo - referindo-se a ele pelo nome de Bob Fields.
E o Tuti dizia ser filho de Campos. Filho do Bob Fields, coisa meio inacreditável. Não se explicava, por exemplo, o fato de Tuti viver em São Paulo quando a família à qual dizia pertencer não era do estado. Na verdade Tuti relatava ter sido mandado estudar longe de casa pelo seu comportamento pouco usual. Relatava que sua casa, no Rio, era frequentada por figuras proeminentes no cenário nacional, deixando claro que seu modo de ser incomodava seu pai. Citava nomes de pessoas proeminentes na época, amigos e parceiros de seu pai. De modo algum admitia que se referissem ao pai pela alcunha Bob Fields. Corrigia: o nome dele é Roberto de Oliveira Campos.
Numa mais vi Tuti e nunca saberei se de fato seria filho de Bob Fields. Semelhanças físicas de fato existiam entre o rapaz e aquele que dizia ser seu pai. Mas, não creio que alguém acreditasse nas histórias que Tuti contava. Tuti era um rapaz confuso, muitas vezes se desdizia e sabe-se lá porque insistia na história sobre sua filiação dado que, rotineiramente, não costumamos falar a estranhos sobre nossos pais.