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O inferno pode ser aqui

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“O inferno são os outros” - disse Sartre.  Do que se conclui que as relações entre seres humanos são complexas demais, mesmo entre aqueles cuja convivência pode ser considerada boa.

Há muito anos conheci um senhor que vivia com a mulher numa casa situada nas imediações da Av. Brigadeiro Luís Antônio Antônio, em São Paulo. Por razões que não vêm ao caso acabei morando nessa casa por uns bons três meses. Eu chegava tarde da noite e saia muito cedo de modo que não privei de intimidade com o casal. Ainda assim, certa ocasião cruzei com o dono da casa no momento em que chegava. Era ele então um homem de seus 70 anos de idade e estava sentado na varanda, tomando a fresca da noite. Na ocasião conversamos um pouco e ele, sem que eu perguntasse, passou a falar sobre o seu casamento, confessando que deveria ter-se separado da mulher há uns 30 anos. Concluiu dizendo que por não ter tomado a atitude sua vida fora terrível. Agora estavam, ele e a mulher, velhos e não se suportavam.

Mas, as convivências difíceis não são restritas a casais que vivem juntos. Acontece em toda parte, sendo comum em ambientes de trabalho. Há sempre alguém, um chefe, um chefete, um encarregado, a pessoa vizinha da mesa de trabalho, enfim um homem ou uma mulher que para você se tornam insuportáveis. A coisa fica pior quando por razões financeiras ou contratuais você fica obrigatoriamente ligado a alguém de natureza diversa da sua com a qual é impossível o estabelecimento de qualquer sintonia.

Quando menino aprendi que a vida não termina com a morte. Bons recebem como prêmio a eternidade no paraíso sendo que aos maus destinam-se os horrores do inferno. Existe, ainda, uma instância intermediária, chamada purgatório, onde muitas almas cumprem penas até purificar-se e receber a benção de entrada no paraíso. Crianças quem morrem sem o batismo enfrentam as trevas do limbo, lugar que não sei bem como funciona. Disso tudo discordam os que acham que a vida termina com a morte, os espíritas para quem a reencarnação é um fato e fieis de outras religiões que creem em coisas diferentes.

A esta altura do campeonato sinceramente não sei bem no que acreditar. Daí que diante de tanta coisa errada e distorcida prefiro ficar com o dizer de uma tia minha, já falecida. Mulher sofrida para quem a vida não passava de período de purgação neste mundo ela repetia: o inferno é aqui mesmo.

Os fatos que presencio  no dia-a-dia me levam a supor que talvez a minha tia estivesse mesmo certa.

O outro que incomoda tanto

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Não aconteceu nada na manhã de domingo. Só um amigo que me ligou para contar que está pensando em deixar o emprego. Desaconselhei. Ele já está nos 50 e “este país” não gosta muito de gente nessa faixa de idade.

Acontece que o meu amigo tem um chefe. Subiram juntos na empresa, o tal chefe sempre um passo à frente dele. Na competição entre os dois sempre houve um fator qualquer de desequilíbrio pendendo para o outro. Detalhes, pequenos detalhes, que foram dando ao outro lugar de destaque.

Creio que há poucos anos – sinceramente não me lembro – correu na empresa em que o meu amigo trabalha a notícia de que aconteceriam cortes, inclusive entre os mais graduados. Na ocasião o meu amigo teve certeza de que seria demitido. Ele não dizia, mas o que mais doía a ele era o fato de que outro continuaria no emprego e ele seria cortado. Coisa bastante injusta, no seu entender. No fim os dois ficaram o que era, aliás, previsível.

É preciso dizer que também conheço o outro. O outro - chefe do meu amigo - é um sujeito sossegado, mas competitivo. Parece meio desligado, mas por baixo do seu jeito de desatento esconde-se um espírito prático e muito observador. É desses que não dão mostras do que realmente são, nem do que são capazes de realizar. Imagino-o proprietário de grande frieza nos momentos de decisão, caráter esse oposto ao do meu amigo, tipo emocional e efusivo.

Ah, ia me esquecendo: os dois foram colegas na faculdade, entraram juntos na empresa onde trabalham e são compadres. As mulheres dos dois frequentam-se e vão juntas às compras. Não passa muito tempo sem que um vá à casa do outro para uns goles, preenchendo a parte de cortesia social.

Então, a única coisa errada nessa história toda é o fato do meu amigo estar sempre um passo atrás do outro. O que me faz pensar sobre a maldade do mundo em que vivemos. O meu amigo poderia ter-se aproximado de milhares de outras pessoas ao longo de sua vida. Quis a sorte, o destino ou o que quer que seja que passasse a vida junto de alguém que fizesse sombra a ele. É a vida.

Depois que desliguei fiquei pensando se não deveria ter encorajado o meu amigo a deixar o emprego. A verdade é que ele já não suporta mais a existência do outro. Não posso dizer que o outro faça mal ao meu amigo de modo consciente, mas que faz mal a ele faz.

E o meu amigo? Caso saia do emprego será que se livrará definitivamente da sina de ser sempre o segundo? Não sei. Há pessoas que nascem para viver tramas do tipo Frajola e Piupiu, no qual um persegue e outro é perseguido , mas não podem existir separados.

Para arrematar é bom lembrar o bom e velho Sartre que sentenciou: o inferno são os outros.

Escrito por Ayrton Marcondes

31 janeiro, 2010 às 8:57 pm

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