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A senhora
A senhora a meu lado é descendente de japoneses, acho que nikkei (nipo-brasileira). Filhos de nikkei são chamados nissei e os netos sensei.
A imigração japonesa teve início em 1908 quando aportaram no país 781 lavradores que vieram trabalhar nas fazendas do interior paulista. Estima-se, atualmente, a existência de cerca de 1 milhão de nipo-brasileiros, mais concentrados em São Paulo e no Paraná.
Convivi com japoneses durante a minha meninice. Eram agricultores que cultivavam frutas e hortaliças na Serra da Mantiqueira. Produtos de qualidade aos quais davam vasão pelas péssimas estradas de terra que conduziam ao Vale do Paraíba e, depois, a São Paulo.
Com os japoneses aprendi ordem e respeito. Meninos e meninas eram educados segundo o modo de ser dos mais velhos, alguns vindos do Japão. Na colônia japonesa o trabalho começava ao alvorecer, almoçava-se antes do meio dia e dormia-se cedo. Um grupo muito organizado para o trabalho e produção.
Vez ou outra chegava à colônia um novo imigrante, oriundo do Japão. De um deles guardo memória. Era um rapaz de pouco mais de 20 anos que logo passou a comunicar-se em português. Lutara na Segunda Guerra, terminada em 1945. O interessante é que para ele o Japão não perdera a guerra. O imperador Hiroito comandara seus exércitos e os conduzira à vitória. Mas o novo imigrante pagava pesado tributo à sua participação no conflito. Era um sujeito nervoso, muito irrequieto, que não conseguia dormir. Vez ou outra referia-se a combates, mas de modo tão confuso que jamais se soube onde havia lutado. Sobre ele os locais fantasiavam que teria sido um kamikaze que não teria entrado em ação devido ao fim da guerra. Ainda hoje penso sobre qual teria sido o destino daquele rapaz.
Após algum tempo a senhora queixou-se da demora em ser atendida. Ficara de pegar o neto na escola e preocupava-se com o avanço da hora. Conversamos um pouco, ela sempre atenta aos ponteiros do relógio. A certa altura queixou-se da filha que estava sempre a pedir a ela que buscasse o neto na escola. Demais a filha se casara com aquele sujeito a quem não suportava. Um tremendo irresponsável. Doente pelo Corinthians. A ponto de fazer empréstimo bancário para ir à Argentina para assistir um jogo do time de seu coração. Pois o genro não deixara de ir à festa de aniversário de seu filho para ir ao estádio num jogo do time?
Não soube bem o que dizer à senhora. Ela disse que de nada adiantaram os avisos à filha para que não se casasse com o tipo. Pior: a filha era louca pelo marido.
A certa altura a senhora foi chamada. Era a sua vez para consultar-se com o médico. Ao se levantar ela emendou: os filhos agem assim porque sabem que têm alguém por trás. Estamos sempre prontos a socorrê-los.