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Falhas de memória
O que assusta é o esquecimento. Você se lembra de alguém, mas tornou-se incapaz de se lembrar do nome dessa pessoa. Coisa acontecidas não há muito desparecem do horizonte, você não se lembra.
Há também o caso de esquecimento de coisas triviais. Antes de se recolher ao seu quarto para dormir você confere se as portas da sua casa estão trancadas. Depois vai até o quarto, põe a cabeça no travesseiro e surge a dúvida: eu verifiquei as portas? Incapaz de se lembrar você se levanta, confere as portas e volta, agora sossegado. Tudo em ordem. Fica só por contado automatismo?
No passado ficávamos de boca aberta com o grande conhecimento de alguns colunistas diários de jornais. Os caras eram proprietários de memórias invejáveis. Falavam sobre tudo e com propriedade. Citavam autores, páginas de livros com naturalidade impressionante.
Hoje me pergunto sobre os mecanismos que usavam para manter-se tão atualizados. Não existiam computadores, no máximo contavam com o auxílio de boas enciclopédias. Mas, estas também envelheciam. Quem sabe a memória deles era organizada em fichários. Pode ser.
Ninguém discorda do quanto a leitura é importante. Vida afora li uma enormidade de obras, algumas por prazer, outras por dever de ofício. Entretanto, confesso não me lembrar do conteúdo de muitos livros aos quais dediquei um bom tempo. Não é incomum que ache na minha pequena biblioteca algum livro, com anotações que fiz e que, absolutamente, hoje não me dizem respeito.
Julio Cortázar dizia que uma história só e boa quando você não se esquece dela. Li obras de muitos autores russo na minha juventude. Não sei se saberia falar ou escrever sobre algum conto de Gogol, por exemplo. Guardei dele o título do conto “O capote”. Mas, não me lembro de nada sobre essa história. Claro, existem obras marcantes com as quais afinamos nosso espírito. Como esquecer o enredo de “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde? Que dizer do incrível “A consciência de Zeno” de Italo Svevo? Tantos livros muitos bem lembrados, outros tantos esquecidos.
Penso que boa parte das falhas de memória possam ser devidas à preguiça. O cérebro se acomoda à preguiça. Hoje em dia não há assunto a que não tenhamos acesso através da internet. Se preciso falar sobre o pintor Diego Rivera, por exemplo, não é necessário perder muito tempo, consultando a memória. Basta digitar o nome dele no Google para, num instante, ter acesso a dados sobre ele e observar as telas que nos deixou.
Poderá haver um tempo em que os homens deixarão de pensar, deixando tudo por conta das máquinas. Já acontece em filmes de ficção. Por enquanto vamos nos virando com acessos aos bancos de dados eletrônicos.
Oscar Wilde
É normal os críticos baixarem o pau em Oscar Wilde. Demais ele parece ter nascido para ser controverso. Existem naturezas proporcionadas para escandalizar. São como espasmos dentro de uma civilização conservadora que se respeita e quer-se respeitada. Nesse mundo de valores tão claros e estabelecidos a ordem funciona como um remédio destinado a sanar as feridas das almas. Aí tudo se encobre: os malfeitos são punidos, as cores são contidas, os seres aberrantes punidos exemplarmente, tudo em nome de uma sociedade estável, equilibrada e ordeira.
Aí surge um Wilde. Ele é o avesso do mundo em que vive, a face escancarada que não se quer ver, a denúncia daquilo que se encobre, a subversão dos costumes, o outro lado que os homens abominam porque inconfessável. Wilde surge como um tribuno que tem o dedo em riste contra a situação humana, mostrando que a hipocrisia é o tom da vida dos pequenos e limitados seres que defendem aquilo que chamam de normalidade.
Nesse mundo de mentalidade vitoriana, Wilde é um anormal. Ele ama um jovem de seu sexo, deixa-se explorar por ele, joga a sua vida por um amor tido como sem sentido. Mas, não se pode ignorá-lo: Wilde é um dandi, Wilde afronta com suas extravagâncias, Wilde é também um gênio. Wilde escreve peças de teatro, Wilde cria Dorian Gray.
A certa altura Wilde escreve uma carta ao pai do rapaz a quem ama. O pai do rapaz o processa, a sociedade vitoriana enfim tem a oportunidade de defrontar-se com Wilde, face a face. Durante o julgamento é lida uma carta escrita por Wilde ao amante. O juiz pergunta a Wilde se considera coisa normal alguém escrever um texto como aquele. Wilde responde:
- Nada do que eu escrevo é normal.
Wilde é condenado, preso, sua vida termina poucos anos depois. Ficam os seus livros que sobrevivem a ele. Fica o livro “O retrato de Dorian Gray” que você pode encontrar nas livrarias. Há edições em português publicadas pela L&PM Editores e pela Hedra. Existe, também, uma edição bilíngue, da Landmarck.
Oscar Wilde
O fato é que o escritor e dramaturgo Oscar Wilde (1854-1900) é mais citado pelas suas preferências sexuais que pela obra que deixou. Isso pode causar alguma surpresa nos leitores de hoje, habituados a existência de megaeventos como a Parada do Orgulho Gay e casamentos entre homossexuais.
Wilde notabilizou-se pela sua carreira na qual seus romances, peças de teatro, polêmicas e as resenhas de livros misturavam-se com altas doses de extravagâncias. Seu incontestável sucesso granjeou-lhe projeção e prosperidade. Em suas biografias há insistência sobre o fato de ele possuir família constituída e ao mesmo tempo ser um dândi: gastava horas cuidando da aparência e, para delírio dos cartunistas, usava roupas e gravatas extravagantes e tirava fotos em poses lânguidas.
Embora estranha, a modernidade de Wilde foi razoavelmente tolerada durante a época vitoriana do Império Britânico. Sua prosperidade perdurou até o seu envolvimento amoroso um jovem chamado Alfred Douglas, conhecido como Bosie. Wilde apaixonou-se por Bosie um jovem encantador, mas inescrupuloso e egoísta. Recorde-se que, na época as relações entre homens eram consideradas criminosas em alguns países. Na reforma do Código Penal da Inglaterra, a partir de 1885 a sodomia entre homens tornou-se passível de pena de dois anos de prisão com trabalhos forçados.
Um desentendimento entre Wilde e o pai de Bosie deu início a um processo no qual Wilde foi condenado e preso. Suas peças foram retiradas de cartaz: de escritor celebrado Wilde passou à condição de criminoso. Era o revide do puritanismo vitoriano tão atacado por Wilde. A imagem de “criminoso pervertido” veiculada pela imprensa não se separaria de Wilde até a sua morte.
Existem críticos ferozes que abominam toda a obra de Wilde. Entretanto, a leitura do romance “O Retrato de Dorian Gray” continua a ser obrigatória para os amantes da boa literatura. O livro pode ser encontrado em livrarias e às vezes aparece entre as séries vendidas nas bancas de jornal.
No prefácio de “O Retrato de Dorian Gray” há uma frase de Wilde que define bem o seu posicionamento em relação à arte:
“Um livro não é, de modo algum, moral ou imoral. Os livros são bem ou mal escritos”.