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Afinal, o que se canta no carnaval?
Dias atrás a Rede Globo promoveu um desafio carnavalesco entre cariocas e baianos. De um lado a bateria de uma escola de samba do Rio de Janeiro com um dos seus destaques; de outro a bateria do Olodum acompanhada de uma sambista baiana. De cara o Rio perdeu no cenário: os cariocas foram filmados em seu lugar de ensaios; os baianos serviram-se da beleza do Pelourinho, descambando, morro abaixo, para a Baixa do Sapateiro. Foi injusto porque os cariocas deveriam estar no morro da Urca ou na praia de Copacabana para que houvesse equilíbrio de cenários.
No mais, o que se viu foram comparações entre toques das duas baterias com suas paradinhas, o imbatível samba no pé da mulata carioca e o rebolado insano e inimitável da mulata baiana. A cada final de exibição dos cariocas, os baianos diziam “mandô bem” e iniciavam o seu revide; o mesmo acontecia ao final das exibições dos baianos quando os cariocas diziam o mesmo “mandô bem” e revidavam.
Não sei dizer quem ganhou se é que o desafio entre estilos diferentes deveria ter um ganhador. Entretanto, a disputa mostrou o sangue ardente de um carnaval em estado puro e que deixou de existir para cobrir-se de adereços tantas vezes dispensáveis, geradores de alegria mais visual que de coração. O fato é que o carnaval ainda existe na alma dos brasileiros embora tenha se descaracterizado, invadido que foi por uma profusão de ritmos que fariam Ari Barroso mexer-se dentro do seu caixão acaso pudesse ouvi-los.
Mas, afinal, o que se canta no carnaval? Cantam-se sambas nos desfiles das escolas, sambas de encomenda porque adaptados aos enredos. Canta-se um pouquinho de samba nos carnavais de rua e de clubes. Mas que se canta mesmo é o axé, nascido da fusão entre o frevo, o maracatu, o forró, o raggae e o calipso, namorado d pop-rock. Os velhos sambas, grandes sucessos do passado, são cantados e dançados meio sem entusiasmo; o axé levanta o povo com seus gritos de guerra e letras que todo mundo conhece e repete. As músicas de Ivete Sangalo, do Chiclete com Banana e outros artistas dominam porque estão no gosto popular. Resta saber se isso é carnaval.
Carnaval ou não, o axé é a música dos trios elétricos que arrastam multidões, é a música que está na boca o povo. Não importa muito que a um observador desavisado as músicas se confundam numa batida única mais parecendo que a uma partitura padrão se adaptaram incontáveis letras diferentes. O sucesso é garantido, por isso as bandas tocam e levantam o povo como o ritmo frenético do axé.
Para quem é saudosista, para quem ainda procura saber qual é o samba que será cantado pelo povo no carnaval, o axé poderá parecer um grande porre. Mas, se para esses ainda falar mais alto o espírito carnavalesco o remédio é tomar umas e outras e deixar rolar a música. Olhe que ela poderá até tornar-se muito interessante em tal circunstância.