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A morte de Juscelino
Eu estudava no curso primário quando Juscelino Kubitscheck de Oliveira foi eleito presidente da República. Para as crianças a maior dificuldade era de escrever o nome do presidente, coisa que era ensinada pelas professoras. Aquele “Kubitscheck” era mesmo de amargar para se grafar corretamente. Em todo caso tratava-se do nome de um mineiro muito simpático, sorridente, que diziam ter a fama de realizador. Getúlio Vargas se suicidara em 1954, deixando imenso vazio de lideranças no país. Juscelino vinha para ocupar espaços e o fez com o seu programa “cinquenta anos em cinco” durante o qual, de quebra, construiu Brasília. Aliás, me lembro do tremendo reboliço que foi a mudança da capital federal para o centro do país. O Rio perdia muito de sua sedução sem o desfile dos políticos - e da politicagem - pelo Catete. Biógrafos de Juscelino dizem que a mudança da capital era estratégica porque ele não conseguiria terminar o governo caso permanecesse no Rio e não inventasse Brasília. No Brasil Central, longe da pressão que batia às portas do Catete, os futuros presidentes estariam a salvo para governar com mais serenidade. Prefiro acreditar que Juscelino tinha dentro do peito o fogo das mudanças: queria romper com o passado e criar um novo país, desse modo sendo lembrado pelas futuras gerações.
Mas, Juscelino terminou seu governo e Jânio Quadros foi eleito para renunciar inesperadamente. Há quem diga que Jânio não teria renunciado caso governasse no Rio. Jânio não teria suportado o isolamento de Brasília, era um homem do povo e precisava de gente por perto.
Em 1976 recebemos a notícia de que Juscelino morrera num acidente de carro na Via Dutra. Na época estava em vigor a Ditadura Militar e Juscelino preparava-se para se candidatar novamente quando o regime democrático voltasse a vigorar. O enterro de Juscelino com o caixão carregado pelo povo cantando o “Peixe Vivo” empolgou o país diante do silêncio do governo de então. Desde aquela época fala-se sobre o acidente ter sido provocado, portanto Juscelino teria sido assassinado. Esse fato nunca teve confirmação, permanecendo no terreno das hipóteses. Entretanto, agora Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo anuncia que pedirá ao STF, à Câmara Federal e à Presidência da República a retificação da causa da morte de Juscelino. Como justificativa a Câmara da Verdade utiliza alguns fatos da época, entre eles a declaração de um médico que teria visto um ferimento à bala na cabeça do motorista de Juscelino que também morreu no acidente.
Há poucos dias os restos mortais do ex-presidente João Goulart foram exumados e submetidos a estudos para comprovar-se ou não a hipótese de que teria sido assassinado durante seu exílio no Uruguai.
Por detrás dos possíveis assassinatos como o de Juscelino estaria a Operação Condor, uma aliança político-militar estabelecida entre os governos do Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia e Paraguai.
Passado vivo
Não há como, o passado muitas vezes se recusa a morrer. Bem guardado em caixa forte, trancado a sete chaves, ainda assim certos acontecimentos deixam rastros, ligações que não permitem a eles repousar para sempre no silêncio e esquecimento.
Nos últimos dias um desses casos cuja memória sobre eles não se apaga retornou às manchetes: o fotógrafo que tirou a foto de Herzog enforcado numa corda foi entrevistado e declarou que o suicídio então divulgado não passou de armação. De que Herzog não havia se suicidado não existiam dúvidas embora não se pudesse provar que fora morto pelas forças de repressão. Agora, o fotógrafo entra em cena, anos depois, e sai de seu isolamento nos EUA para contar sobre o dia em que foi levado para fotografar Herzog morto.
Outro caso atravessado na garganta dos brasileiros e jamais esquecido é o acontecido no famoso jogo entre as seleções da Argentina e do Peru na Copa de 1978. A vitória da Argentina por 6 a 0 deixou o Brasil fora da final. Como se sabe a Argentina terminou a Copa como campeã mundial ao vencer a Holanda, fato que serviu como instrumento de promoção à ditadura do país então sob o comando do ditador Jorge Videla. As suspeitas sobre o arranjo sempre existiram, sendo que, em 1998, o goleiro do time peruano, Quiroga, admitiu a farsa.
Agora vem a público o depoimento de um ex-senador peruano, Genaro Ledesma Isquierda, no qual ele afirma que a partida de futebol foi ligada a um acordo político entre as ditaduras da Argentina e do Peru. Tratava-se a chamada “Operação Condor”, acerto entre as ditaduras militares sul-americanas no sentido de eliminar opositores. Videla teria recebido 13 opositores peruanos que passaram à condição de prisioneiros de guerra na Argentina. Em troca o ditador argentino exigiu de seu colega peruano a vitória de sua seleção no jogo contra o selecionado do Peru. Isquierda era um dos prisioneiros e relata que o destino dele e dos demais seria o de ser morto, lançado de um avião nas águas do mar. Entretanto, isso não aconteceu devido à pressão das organizações de direitos humanos que pressionaram a Argentina no sentido de libertá-los. Foi assim que os peruanos foram tirados de Buenos Aires, com passagens pagas pelo governo francês.
Quanto ao futebol em si o fato é inesquecível. A Argentina e o Brasil chegaram à mesma fase da Copa empatadas em número de pontos. O Brasil jogou com a Polônia e venceu por 3 a 1. Para se classificar a Argentina deveria vencer o jogo com o Peru, alcançando um saldo maior de gols. E veio o 6 a 0 para desconforto e tristeza dos torcedores brasileiros.
Ouvi os dois jogos pelo rádio. Os gols da Argentina e a incapacidade de reação do Peru davam-nos nos nervos. O quarto gol argentino foi um martírio. Ninguém entendia como uma equipe, seleção nacional peruana, podia dar-se ao luxo de um vexame daqueles. Mas, quem viveu aquele momento não esquece. Assim, como é impossível esquecer a absurda morte de Vladimir Herzog e as consequências que acabou tendo.