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O diário de Anna de Assis
Anna de Assis era casada como escritor Euclides da Cunha. Aconteceu a ela apaixonar-se pelo jovem Dilermando de Assis, quinze anos mais novo. Corria o ano de 1909 quando Euclides se descobriu traído pela mulher. Para lavar a sua honra Euclides decidiu-se a um acerto final com Dilermando. Com a intenção de matá-lo foi até a casa dele. No embate que se seguiu Euclides foi mortalmente ferido por Dilermando, vindo a falecer. O caso teve enorme repercussão: Euclides era reconhecido por sua magistral obra “Os Sertões” que versa sobre o episódio de Canudos. Escritor consagrado morria a tiros pelo amante da mulher.
O assassinato de Euclides desperta curiosidade mesmo nos dias atuais. Eis que agora uma neta de Dilermando e Anna acaba de receber um diário escrito pela avó no qual ela explica os tristes acontecimentos que resultaram na morte de Euclides. A neta sabia da existência do diário, mas supunha que teria sido queimado por um tio. Entretanto, o diário foi guardado pelo advogado que defendeu Dilermando. Agora um descendente do advogado restituiu o diário à neta de Anna de Assis.
No diário Anna de Assis muda totalmente a história de sua relação com Dilermando e a participação de Euclides. Segundo ela Euclides sabia da existência do amante, sendo que ela já tinha, inclusive, passado tempos em casa de Dilermando. Anna conta que de modo algum Euclides concordara em ceder a ela o divórcio. De modo que seria falsa a versão corrente de que Euclides decidiu matar Dilermando assim que soube que ele era amante de sua mulher.
Bem, é preciso verificar a autencidade do diário. Por outro lado vale lembrar que essa história acrescenta ainda mais sensacionalismo ao triste episódio da morte de Euclides. Falar sobre o assassinato de Euclides de certa forma empana o que mais interessa sobre ele, ou seja a autoria de um dos maiores livros escritos em língua portuguesa. Euclides é um artífice da linguagem e escreveu um livro monumental. Aliás, nunca é demais insistir sobre a importância de se ler “Os Sertões”. Se você ainda não leu não perca tempo: corra até uma livraria e se prepare para uma das mais instigantes aventuras de leitura.
Euclides da Cunha, 100 anos
Há exatamente 100 anos, no dia 15 de agosto de 1909, o escritor Euclides da Cunha saiu à rua levando um revólver calibre 22. Seu destino era a casa do cadete Dilermando de Assis, localizada na Estrada Real de Santa Cruz, Piedade, Rio de Janeiro.
O desfecho da aventura de Euclides é conhecido: durante uma troca de tiros Euclides é alvejado por Dilermando e vem a morrer. O móvel do crime é a mulher de Euclides, Ana de Assis, que tinha um caso com o cadete Dilermando. Um ano depois, o filho primogênito de Euclides – Euclides da Cunha Filho – tentou vingar a morte do pai e também foi morto por Dilermando.
Dilermando de Assis foi absolvido de seus dois crimes em sessões no Tribunal do Júri. A defesa de Dilermando foi realizada pelo célebre advogado Evaristo de Moraes filho que alegou, em ambos os casos, legítima defesa.
Deve-se a Elói Pontes uma biografia de Euclides da Cunha cujo título é “A vida trágica de Euclides da Cunha”. Voltada mais para a obra que o homem é a excelente biografia escrita por Olímpio de Souza Andrade intitulada “História e Interpretação de Os Sertões”. Outra biografia do escritor é a de Silvio Rabelo cujo título é “Euclides da Cunha”.
A morte de Euclides foi o corolário da vida difícil de um homem inadaptado. Infelizmente as circunstâncias trágicas da sua morte pelas mãos do amante de sua mulher marcaram a figura do escritor como se fora este o fato maior de sua existência. De fato, o assassinato de Euclides da Cunha impregnou a sua imagem pública que talvez seja mais conhecida pela tragédia final que por sua obra. Para isso certamente contribuem representações que tomam Euclides como personagem esmerando-se em apresentá-lo como o homem traído que se bate por sua honra sem sucesso.
Ora, tem razão Olimpio de Sousa Andrade quando valoriza a história de Os Sertões referindo-se a Euclides enquanto autor de obra ímpar e perene da literatura brasileira. Esse modo de ver valoriza os acontecimentos da vida de Euclides buscando no homem o grande escritor que ele foi. A tragédia da morte torna-se, assim, fato menor, noticiário de páginas policiais que em nenhum momento ensombrece a grandeza de Euclides da Cunha.
O que é preciso deixar claro, portanto, é que no dia de hoje celebra-se o passamento do autor de Os Sertões, livro fundamental na história da inteligência brasileira e que tem, no século trasncorrido, influído nos modos de ser e pensar daqueles que estudam e procuram compreender o Brasil. Valorizar na celebração desse acontecimento as circunstâncias da morte do grande escritor de Os Sertões em detrimento de sua reconhecida importância é tomar a sua existência pelo que ela teve de menor.
Muito se pode dizer sobre Os Sertões. É vasta a bibliografia sobre o grande livro valorizando seus múltiplos aspectos. Decorre esse fato da preocupação de Euclides em explorar, analisar e buscar explicar as origens da gente brasileira, seu modo de ser e a influência que tiveram sobre o desenvolvimento da sociedade local diversos fatores, entre eles os raciais e climáticos. Munido de ferramentaria científica, filosófica e sociológica disponível em sua época, Euclides da Cunha entregou-se à paixão de descrever os sucessos ocorridos em Canudos que culminaram na chacina dos adeptos de Antônio Conselheiro.
Tomado como um livro de denúncia Os Sertões é muito, muito mais que isso: trata-se de uma das primeiras interpretações do Brasil que embora se ressinta de análises feitas segundo os conhecimentos da época em que foi escrito mantém-se viva e atual. Isso acontece, entre outros fatores, porque o escritor de Os Sertões é antes de tudo um grande poeta, cinzelador de palavras, cultor da forma e homem encantado por belezas inacessíveis ao comum dos mortais.
Celebra-se, assim, no dia de hoje, o centenário da morte de um intérprete do Brasil. Daí serem mais que justas as homenagens que se prestam nesse momento ao escritor maior de Os Sertões.