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Coração Louco
Nenhuma surpresa aguarda o espectador no filme “Coração Louco”. A trama segue o seu curso com a certeza das águas de um rio cujo percurso está definido desde a nascente. De fato, poucas variantes existem para a história de um músico decadente que se consome no álcool e interpreta os seus antigos sucessos em bares de terceira categoria. Nesse mundo onde a autodestruição parece ser um estigma só a esperada interferência de uma mulher pode alterar o rumo da história. E é bem assim que as coisas se passam na vida do músico Bad Blake (Jeff Bridges) que, em meio a um processo autodestrutivo regado a muito álcool, encontra a ajuda da jornalista Jean (Maggie Gyllenhaal).
Em nenhum momento o diretor Scoot Cooper demonstra ter intencionado fazer outra coisa que não narrar linearmente a trajetória de Bad. Pode-se até mesmo afirmar que o filme utiliza – e por atacado – clichês de produções anteriores, variando sobre um mesmo tema.
Depois dessas digressões vale perguntar sobre os fatores que conferem força ao filme e a razão pela qual Jeff Bridges foi agraciado com o Oscar de melhor ator por esse trabalho.
Em primeiro lugar vale lembrar que “Coração Louco” em nenhum momento pretende ser maior do que é. O filme não inova, não conta algo inusitado e tem pouca ação. A todo tempo tem-se em primeiro plano Bad Blake, preenchendo a tela com a sua decadência e as inúmeras garrafas de bebida que consome. O que faz “Coração Louco” diferente é o fato de ser um filme de diretor, calcado na excelência das atuações dos atores. Jeff Bridges está de fato perfeito no papel de Bad Blake, uma das mais imponentes interpretações da sua carreira. Por outro lado, Maggie Gyllenhaal ganha a simpatia do público com seu imenso charme e a forma como Jean se dispõe a compreender o drama vivido por Bad Blake. É Jean quem funciona como alavanca a Bad apontando a ele, com enorme simplicidade e quase sem palavras, o caminho que deve seguir.
Além da atuação dos protagonistas “Coração Louco” se destaca pelo seu excelente roteiro musical. O country casa-se à perfeição com Bad Blake que encontra nas letras das músicas a válvula para expressar, tão bem quanto visualmente, a dimensão da sua tragédia. A musicalidade de Bad demonstra que afinal ele não é um homem qualquer, é acima de tudo um sujeito sensível que se desgarrou, assumindo uma trajetória de erros irreversíveis. Como em outras histórias, também Bad tem um filho que abandonou em criança e com ele quer se reconciliar. Mas é tarde, muito tarde, daí que só o amor de Jean e a música podem salvá-lo.
O filme se completa com as atuações de Colin Farrel no papel de Tommy, um famoso cantor que interpreta as músicas de Bad e de Robert Duvall como Wayne, o amigo de Bad que o resgata em situações limítrofes de alcoolismo.
“Corações Loucos” não chega a ser um grande filme, mas funciona como painel para estupendas atuações. Drama humano de grande intensidade empresta à temática à qual se filia um jeito novo de ser que o destaca de filmes do mesmo gênero. Vale a pena ver Jeff Brigdes no papal do cantor Bad Blake que rendeu a ele o almejado Oscar em sua carreira.
O filme “Coração Louco” já existe em DVD, com lançamento previsto para o mês de junho.
No tapete vermelho do Oscar
Todo mundo conhece o cerimonial do Oscar e ainda assim a festa do cinema norte-americano continua atraindo as atenções do grande público. Há quem diga que assistimos à festa de premiação só pela curiosidade de saber quem foram os melhores do ano anterior, enfim os vencedores. Cada um tem o seu palpite após ter visto vários filmes, a isso se podendo acrescentar preferências pessoais sobre esse ou aquele ator, a melhor direção, a melhor atriz etc.
Era barbada que Christoph Waltz receberia a estatueta pela sua excelente atuação em “Bastados Inglórios”, nem tanta certeza havia em relação a Sandra Bullock para o prêmio de melhor atriz, ela que já trabalhara em tantos filmes e jamais recebera sequer uma indicação para o Oscar.
Tudo isso atrai, é verdade. Conta muito também o glamour da festa, ainda que depois da última crise econômica os exageros tenham sido reduzidos por medida de economia. Há também aquela coisa de se ver tanta gente do show business junta, todos sentadinhos na platéia do Teatro Kodak, muito sorridentes, pré-determinados a rir daquelas piadas meio sem-graça de que os americanos tanto gostam.
Mas, o que realmente é muito interessante é o que se passa no tapete vermelho, antes da festa começar. Em primeiro lugar há a parte reservada ao público, os mortais comuns, que se apertam numa pequena arquibancada para ver passar os ídolos do cinema. Consta que aquela turma consegue lugares ali através de um sorteio realizado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos. Qualquer pessoa, de qualquer lugar pode ser sorteada, mas é de se pensar se alguma influência e dinheiro não ajudam em nada. De todo modo, estar ali representa uma ligação direta com o endeusamento de ícones de popularidade que de repente se fazem carne e habitam entre os cinéfilos. Reina entre os assistentes uma estranha e irresistível compulsão de não só ver, mas reconhecer cada pessoa que passa. É como se bem perto do lugar da celebração do Oscar existisse um cinema e aquela gente toda, tão chique e importante, tivesse momentaneamente saído da tela para aparecer em público, não sendo possível ponderar sobre a quantidade de cotas de realidade e ilusão que compõem as cenas que se passam diante dos olhos dos espectadores.
Não se pode negar que os atores são, de fato, um espetáculo a parte. O cinema é uma fábrica de ídolos em tamanho grande, dado que os atores parecem enormes na telona. A dimensão das projeções permite que os espectadores conheçam cada ator em seus mínimos detalhes. Quem não sabe de olhos fechados os detalhes faciais e a expressividade de que é capaz uma atriz como Maryl Streep, por exemplo? E que dizer de Jeff Bridges que acaba de receber o Oscar de melhor ator?
Pois o público conhece toda essa gente e muito bem. Essas pessoas fazem parte do cotidiano do povo, frequentando assiduamente as suas casas através de filmes exibidos na televisão. Vai daí que no momento em que eles se dignam a desfilar sobre o tapete vermelho o fazem num estilo que nada tem de corriqueiro, a começar pelas roupas de grife das atrizes que, ao serem entrevistadas, informam o nome do costureiro que as vestiu. O interessante é que ninguém ali se apresenta com naturalidade de vez que cada um representa, durante o rito de sua passagem, o papel de convidado ou possível premiado.Trata-se, portanto, de uma formidável ilusão desgarrada temporariamente das telas dos cinemas. Isso quer dizer que tudo o que o público das arquibancadas presencia ou o que vemos pela televisão não passa de uma enorme ficção, um capítulo bem encenado da indústria do cinema no qual o que menos interessa é a realidade.
É assim que os atores passam e concedem entrevistas, ouvindo as mesmas perguntas e respondendo do mesmo modo porque o que interessa é o fato de estarem ali, cumprindo a primeira fase de uma extensa programação, preparando-se para a cena seguinte que é a de participar efusivamente da cerimônia de entrega de prêmios.
Mas, no fundo, nada disso importa. Os espectadores conhecem muito bem a rotina do Oscar e sabem que inexistem surpresas, exceto os prêmios concedidos o que, aliás, nem sempre é o mais importante. A verdade mesmo é que assistimos à festa do Oscar para reverenciar um mundo de ilusão que num certo dia do ano brinca de ser real e nos dá oportunidade para muita tietagem.