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Sob o comando do tráfico

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Estão aí fotos da ocupação da Favela da Rocinha, Rio de Janeiro. Policiais fortemente armados sobem pelas vielas e galgam, passo a passo, o topo do morro. Não encontram resistência: Nem, o comandante do tráfico, já fora preso durante uma blitz enquanto tentava sair da favela dentro do porta-malas de um carro.

Escrever ou falar sobre o tráfico em si e suas implicações é tarefa para quem estuda ou vive o problema. Correm por aí algumas teorias sobre o modo de acabar com o tráfico, uma delas a de descriminalização do uso de drogas. O fato é que o tráfico vive do vício e existe uma enormidade de pessoas viciadas. São esses consumidores que mantém o tráfico vivo, fazendo-nos suspeitar que se um Nem foi preso outro Nem deve estar em gestação por aí. De todo modo é mais que louvável que as autoridades do Rio de Janeiro estejam levando muito a sério a luta contra o tráfico. A invasão da Rocinha, chamada de pacificação, acontece em boa hora dado que essa favela há décadas está sob o comando de traficantes.

Ora é justamente isso o que não se enquadra bem no raciocínio daqueles que vivem do lado correto da lei. Os morros, favelas ocupadas por traficantes, são dominadas por eles que ali impõem a sua vontade e determinam o modo de ser das coisas. Trata-se, portanto de um Estado dentro do Estado, porque à margem desse último cujas regras, gerais para toda a população, ali não valem. Tanto é verdade que nenhuma força policial isolada se arrisca a entrar num morro sob o domínio de traficantes porque será combatida e com armas muitas vezes superiores em poder do tráfico. Definitivamente, há áreas nas quais inexiste a ação dos poderes públicos que ali não prevalecem. Desse fato decorre a importância das atuais ações pacificadoras que, pela primeira vez, buscam olhar realmente de frente o problema de domínio do tráfico sobre extensas regiões – para que se tenha uma ideia só na Rocinha vivem 80 mil pessoas.

As fotos mostram que o Estado sob o comando do tráfico é, tal como outras sociedades, discrepante em termos de distribuição de benesses sociais. Demonstram isso as diferenças entre as moradias simples da população dos morros e as casas soberbamente equipadas dos comandantes do tráfico. Guardadas as proporções e diferenças com regimes nacionais estabelecidos pode-se pelo menos supor que o tráfico impõe um regime de natureza ditatorial nas favelas. Nem, aquele que tentava escapar dentro de um porta-malas, tinha a seu serviço, na Rocinha, mais de duzentas pessoas. Com esse exército de pessoas ligadas ao tráfico exercia o seu domínio sobre a favela. Além disso, o mesmo Nem declarou, depois de preso, que boa parte de seus ganhos era utilizada para pagar policiais corruptos que o protegiam. Basta dizer que justamente durante a tentativa de fuga de Nem foram presos policiais que tentavam ajudá-lo a sair da Rocinha.

Tudo isso pode ser lido nos jornais e nada há de novo nas linhas anteriores. O que há, de fato, é a indignação pela existência de tal estado de coisas. O tráfico tem rotas de entrada e saída de drogas no país e abrange extensa rede de traficantes que exercem domínio em áreas sob seu comando. Além disso, movimenta fantásticas quantidades de dinheiro oriundo do consumo de usuários de drogas.

O Rio está a combater o tráfico. Aproximam-se competições internacionais importantes a serem realizadas na cidade que deve promover segurança total durante a ocorrência delas. O trabalho, árduo e difícil, está sendo feito para que isso se torne realidade. Resta saber se as atuais medidas serão definitivas. Se olharmos para o passado encontraremos razões para temer que tais ações sejam temporárias. Ataca-se, no momento, um dos eles da cadeia que é o do fornecimento de entorpecentes; é preciso que o outro lado, o dos consumidores seja considerado e isso pode exigir décadas de conscientização.