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Maracanã 70 anos
O Maracanã faz 70 anos e a data deve ser comemorada. Estádio construído para a Copa do Mundo de 1950, realizada no Brasil, de lá para cá foi palco de muita história. A começar pelo jogo final daquela Copa do qual participaram as seleções do Brasil e a do Uruguai. A vitória do Uruguai, que se sagrou campeão mundial na presença de mais de 200 mil pessoas, é considerada uma das maiores tragédias na história de nossos país. Mas, o Maracanã, maior estádio do mundo na época, templo do futebol, ligou-se irreversivelmente à imagem do país. Aos ícones, futebol, mulatas e samba bem que se poderia acrescentar Maracanã.
A tragédia de 50 persistiu e ainda vive na memória de muitos brasileiros. Quando menino e rapaz ouvi narrativas sobre os lances do terrível jogo que a maioria dos brasileiros ouviram pelo rádio. Obdúlio Varela, defensor da equipe uruguaia, passou à posteridade como o grande carrasco do Maracanã. Barbosa, arqueiro da seleção nacional, jamais foi perdoado pela que foi considerada falha no gol uruguaio. Enfim, a festa para a qual um país necessitado de afirmação e vitórias se preparara deu no que deu, tristeza absoluta.
O Brasil foi campeão em 70 contando com memoráveis jogadores entre os quais estava Pelé. Na Copa de 70 houve o jogo contra o Uruguai, vencido pelos brasileiros. Nos dias que antecederam a partida a derrota de 50 era muito comentada. Temia-se o Uruguai. Nossa invejável seleção seria capaz de vencer qualquer adversário, mas o Uruguai era o Uruguai. Naqueles dias ouvi de um parente mais velho, que estivera no Maracanã na grande final de 50, a sentença de que perderíamos o jogo. Falava ele da falha de Bigode, lateral brasileiro, que propiciara ao uruguaio Schiaffino anotar o segundo gol que daria a vitória à sua seleção. Perder era uma sina.
Não tínhamos então televisão e o futebol era “assistido” pelo rádio. Durante anos ouviam-se narrações de jogos dos cariocas pelas vozes de Jorge Curi, Waldir Amaral e outros. Em São Paulo Pedro Luís, Edson Leite, Mário de Moraes… O futebol sempre foi e será a grande paixão das massas no país.
Em 1958 o Brasil foi pela primeira vez campeão mundial na Copa da Suécia. Pelé, com 17 anos de idade, encantava o mundo. Lembro-me de que por ocasião de um dos jogos eu estava doente, febril. Meu irmão, mais velho que eu, trouxe o rádio da sala para perto da cama onde eu estava deitado. Começado o jogo meu pai veio deitar-se na cama ao lado para a soneca pós-almoço. E pediu que eu desligasse o rádio. Meu irmão disse a meu pai que se tratava de um jogo do importante, era o Brasil na Copa do Mundo. Mas, meu pai nunca ligou para o futebol. Não torcia por nenhum time, o jogo de bola não o encantava. A solução foi devolver o rádio para a sala. Meio zonzo, levantei-me. Fazia frio. Ouvi a vitória do Brasil contra a Rússia, e a espetacular atuação de Garrincha, sentado numa cadeira, enrolado num cobertor.
É essa paixão que me obriga a curvar-me diante da glória do Maracanã.
Jogo do Brasil
Confesso que já não me atraem tanto as peripécias realizadas em campo durante partidas de futebol. Acontece-me preferir mais ouvir a narrações de jogos que os assistir. Ligo a TV, mas só olho para o vídeo nos momentos em que os narradores enfatizam iminências de gol ou jogadas interessantes.
Nem sempre foi assim. A paixão pelo futebol sempre existiu. Ainda menino fui levado ao Pacaembu para assistir a um jogo entre o São Paulo e o Palmeiras. Tarde de domingo, ensolarada e inesquecível. No Palmeiras atuava um jovem atacante, Mazzola, que, mais tarde, jogaria na Itália. O São Paulo tinha Poy, Mauro… No fim um empate por 0X0.
Naqueles tempos as transmissões pela TV iniciavam-se. A Copa de 58 ouvimos pelo rádio. A terrível excursão da seleção brasileira pela Europa, em 56, também nos foi trazida pelas ondas de rádio. Retenho imagens difusas do jogo de 50, Brasil e Uruguai, no Maracanã. Não chegara ainda ao quarto ano de idade. Mas, tamanha era a euforia com a Copa, realizada no Brasil, que, em todo o país, pessoas se acotovelaram em torno de rádios para ouvir a transmissão da partida. Na sala da minha casa não foi diferente. Momento forte foi aquele em que Gighia anotou o segundo gol que daria a vitória ao Uruguai. Era inacreditável: a seleção brasileira perdia a Copa em pleno Maracanã. Uma grande nuvem de depressão e tristeza passava a pairar sobre os brasileiros.
Mas, o tempo passou. Comemoramos 70 como loucos. Que jogos! Mas, devagar e imperceptivelmente, o interesse pela seleção veio diminuindo. Ao que parece hoje em dia o país não mais se une em torno da seleção nacional. A tal pátria de chuteiras perdeu pelo menos parte de sua antiga força.
Foi com esse espírito que ontem ouvi/assisti ao grande jogo entre o Brasil e a Argentina. Jogo para não se botar defeito. Duas equipes reeditando seus melhores momentos em clássicos do passado. Uma delícia ver Messi jogando. E o fantástico Daniel Alves?
Paixões antigas estão sempre prontas a renascer. O futebol é dessas coisas das quais não nos livramos. No coração do torcedor resta sempre uma última semente a germinar. Pelo que vi ontem a minha semente, que julgava adormecida, segue bem ativa.
Copa
A partir de agora o assunto será Copa do Mundo. A mídia nacional passa a se dedicar, quase integralmente, à cobertura dos jogos. Neymar tira fora com fã; Neymar aprimorará a forma no meio da Copa; Tite faz treinamento fechado; russos recebem bem o Brasil…
Mas, talvez não estejamos muito interessados em saber disso tudo. Pelo que a animação de locutores, repórteres e jornalistas de toda sorte figura meio inconsistente. Rola por aí o esforço para retomar paixões e adesões do passado o que hoje, acredite-se, parece não fazer muito sentido.
No alto de sua primeira página o jornal anuncia em letras garrafais: pela primeira vez, maioria não tem interesse na Copa. Seguem-se dados da pesquisa realizada na qual 53% dos nacionais se declaram indiferentes à Copa por começar.
As razões? Ora, muitas. Analistas elencam a infindável crise do país, o desânimo em relação a quase tudo, o receio de mais um fracasso, o 7 a 1, e por aí vai. Um vizinho lembra que entre os convocados por Tite só três jogam no país. Ele me diz isso em tom pesaroso. O Brasil tem um time de emigrados que atuam nas equipes europeias. Mas, que isso tem a ver?
No mundo globalizado talvez nada. Mas, em 58, não se queria o atacante Mazzola no time do técnico Vicente Feola. Mazzola fora vendido para um time italiano, jogaria no Milan. Entretanto, atuou nos dois primeiros jogos da Copa e fez o primeiro gol do Brasil. Depois cedeu seu lugar no time a Pelé.
Também se fala do dinheiro recebido pelos jogadores. Os caras ganham fortunas para jogar futebol. Caso muito contrário é o do trabalhador brasileiro que se mata para receber uns poucos reais com os quais mata a fome. Salários exorbitantes contribuem para a irritação.
Pergunto a pessoas de meu convívio sobre seus prognósticos para o jogo de estreia do Brasil, no próximo domingo. De alguns recebo como resposta que nem mesmo sabem se assistirão ao jogo. Insisto: é o Brasil jogando! A nova resposta: quem sabe, se não tiver nada para fazer, verei o jogo.
Pelo menos por enquanto não se cruza com brasileiros vestindo a camisa da seleção nas ruas. Por onde anda o verde-amarelo com que se costuma demonstrar a brasilidade em épocas de Copa?
Limites da paixão
Você viajaria a um país onde se realiza a Copa do Mundo para apenas ficar perto do estádio em que a sua seleção atuará? Pois é o que se vê nessa invasão de hermanos que vêm para acompanhar os jogos da seleção de seu país. O detalhe é que a maioria dos torcedores que chegam não possui ingressos para os jogos. Trata-se de uma romaria movida exclusivamente pela paixão.
Estamos falando de cerca de 100 mil argentinos que viajam em veículos automotivos, percorrendo milhares de quilômetros sem nenhuma possibilidade de assistirem às partidas de seu time. Semana passada a invasão se deu em Porto Alegre. Agora está se dando em São Paulo onde a seleção argentina jogará amanhã, no Itaquerão. As autoridades preocupam-se com o lugar onde esses milhares de torcedores poderão assistir à partida dado que somente no Anhangabaú dispõe-se de telão para retransmissão dos jogos da Copa.
Confesso que no sábado muitas vezes me perguntei por que, afinal, eu me submetia àquela sessão de tortura que foi acompanhar o jogo do Brasil. No último minuto da prorrogação o Chile mandou uma bola no travessão superior. Depois vieram os pênaltis. Confesso que vi os pênaltis meio escondido atrás do sofá como se o móvel servisse de anteparo entre o que acontecia na TV e a minha situação de puro desespero.
Não comemorei quando o jogador chileno errou o pênalti que garantiu a classificação do Brasil. Estava exausto, nervoso, chateado comigo mesmo. Bastaria um click no controle remoto para fugir a toda aquela situação. Mas, o coração estava preso, amarrado às chuteiras daquela turma de onze craques que vestiam o uniforme da seleção nacional. Trata-se da maldita paixão que nos torna irracionais e imprevisíveis. Por ela sofremos e, pior, não conseguimos sair da prisão que momentaneamente nos enclausura.
Portanto, não há que se estranhar essa invasão argentina à qual assistimos com olhos muitas vezes críticos. O diabo é que somos iguais, às vezes menos ou mais iguais, mas sempre iguais, capazes de loucuras em nome de uma paixão inexplicável. Entretanto, essa paixão tem seu lado positivo: ela nos faz sentir humanos, dependentes, irresponsavelmente engajados numa aventura de resultados imprevisíveis.
O futebol é uma arte irracional, que nos converte em seres muitas vezes irracionais. Os jogos nos afastam do mundo em que vivemos e nos irmanam a nossos semelhantes. Na hora do gol deixam de existir toda sorte de preconceitos: tornamo-nos momentaneamente os iguais que vivemos a afirmar que somos, os irmãos sofredores a quem interessa apenas a vitória. E dizer que essa loucura dura até o momento em que o apito do juiz encerra o jogo e somos devolvidos à realidade de nossos dias.
Os quarenta anos de Rogério
Não adianta, está no sangue essa loucura por futebol. Desde pequenos ouvimos em nossas casas conversas e discussões sobre times, esse ou aquele jogador, seleção brasileira, jogos, Copa do Mundo e por aí vai. Então acontece a inevitável contaminação do sangue pela paixão, dai nascendo essa incompreensível devoção que se traduz numa mescla de alegrias e tristezas, bom e mau humor, revoltas, brigas e muitas vezes até ódio. É o futebol que nos apaixona, verdadeiro vício que só se abandona com a morte.
De tempos em tempos aparece algum jogador que encanta a torcida, desses que ganham respeito até dos adversários, seres com os quais estabelecemos relação de confiança porque deles passa a depender grande parte da satisfação que temos em nosso dia-a-dia. Os brasileiros têm, certamente, listas de figuras inesquecíveis que passaram pelos gramados do país e ligaram seus nomes ao imaginário popular. Craques que participaram de memoráveis conquistas merecem reverências e deles jamais nos esquecemos. Citar nomes como os de Pelé e Garrincha pode servir para abertura de uma longa relação de nomes de grande agrado da enorme torcida brasileira.
Mas, como tudo passa, eis que a idade dos ídolos também avança. É assim que, de repente, acontece de Rogério Ceni chegar aos quarenta anos, ele que de há muito pertence à galeria dos maiores goleiros do país, operador de milagres debaixo das traves, incrivelmente dotado da capacidade de converter faltas em gols. E chega ao pórtico dos quarenta em plena e invejável forma, jogando muito, recebendo os merecidos aplausos dos torcedores. Trata-se, portanto, de um craque entre os craques, alguém dotado de talento e disciplina, desses que se entregam com paixão aos seus ofícios, daí sua natural liderança e exemplo aos colegas de profissão.
O dia de hoje é de festa para a grande torcida são-paulina que se orgulha de seu grande goleiro e agradece a ele por todos esses anos nos quais seu talento e empenho trouxeram-nos tantas alegrias. Agora pouco ouvi pelo rádio a narração de uma das grandes defesas realizadas por Rogério naquela final do mundial de clubes contra o Liverpool. Para mim foi como se o jogo estivesse acontecendo naquele momento, de novo, como deverá acontecer em todas as vezes que em que me lembrar desse lance que vi pela televisão no dia em que ocorreu.
Então é isso, deixo Rogério Ceni debaixo das traves, pulando, mãos trocadas, tirando do ângulo a bola chutada pelo inglês que teria o destino certo das redes. É nessa posição, operando defesas milagrosas que Rogério se fixa, porque ali é e será, para sempre, o lugar dele nas nossas memórias.
Parabéns ao Rogério pelos seus quarenta anos e vida longa a você em sua carreira esportiva.
O futebol e os pés
Segundo o jornal alemão “Der Spiegel” temos pés apenas porque existe o futebol. Trata-se de uma curiosa inversão evolutiva que faria Darwin revirar-se em seu túmulo: primeiro teria surgido a bola; pela necessidade de chutá-la apareceram os pés. Na verdade a frase anterior está mesmo é ligada à teoria evolucionista de Jean Baptiste Lamarck. Pela teoria de Charles Darwin seria assim: existia a bola, os seres que ao acaso desenvolveram pés os usaram para chutá-la.
Teorias evolucionistas a parte é de se pensar se não temos cabeça e cérebro porque a bola apareceu primeiro. Pelo amor de Deus, não se trata de coisa do tipo quem surgiu primeiro, o ovo ou a galinha. Acontece que o futebol é uma paixão tão grande, gastamos tanta energia mental com ele, que não será impossível termos sido criados apenas para ser torcedores. Depois, com a evolução, passamos a servir para outras coisas…
Quem duvida que ande por aí e observe os semblantes preocupados dos torcedores com as contratações de seus times para os campeonatos que já começam na semana que vem. Fulano de tal jogou naquele time e não foi bem, agora contrataram o cara para o meu, que besteira… por que não contrataram um bom meio-campista…na verdade precisamos é de um bom goleador etc.
Isso tudo, na pré-temporada. Quando os jogos começarem alegrias e tristezas, regadas a muito nervosismo, acontecerão. Aquele juramento que fizemos no ano passado de não mais acompanhar o campeonato de 2010 será negado na primeira notícia de vitória do time do nosso coração. E as nossas mulheres, pobres das nossas mulheres, habituadas, mas nunca conformadas, com o nosso mau humor dos domingos de derrota e as manhãs tensas de segunda-feira, que tipo de armistício devemos assinar com elas?
Torcedores: é impossível resistir. Fostes criados para servir sob as fileiras, bandeiras e hinos dos vossos times. Sois devotos de algo entranhado no vosso DNA e, portanto, irreversível. Uma força maior, anterior à espécie, determinou que assim seria e nada se pode fazer contra isso. Flamenguistas, corintianos, são-paulinos, gremistas, cruzeirenses, ouvi: sois escravos de uma paixão da qual só a morte poderá livrá-los, isso se do lado de lá não existir futebol.
Portanto, conformai-vos. E lembrai-vos: a regra é o sofrimento, mas intercalado com momentos de alegria, alegria breve, mas que alegria.