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Ano após ano
O bom na passagem do tempo é o fato de que devagar vamos nos esquecendo dos acontecimentos do passado. Você é capaz de, sem consultar o Google, se lembrar de como seguia a vida em novembro de 2011? Pois é decorridos apenas cinco anos eis que as memórias se confundem. Talvez alguém para quem algum fato marcante na vida pessoal tenha ocorrido naquele mês do ano citado seja mais fácil lembrar-se. Mas….
O mundo sempre será o mesmo apesar das mudanças e conquistas alcançadas pelos homens. Se olharmos para uma fotografia da Avenida Paulista nos anos 20 do século passado certamente nos causará estranhamento a ausência das altas edificações a que estamos cotidianamente habituados. Então o mundo era assim, diríamos. Mas se pensarmos nas pessoas que viviam naquele mundo, naquela circunstância, talvez o nosso estranhamento se reduza. Era como se vivia então sem que a gente da época pudesse supor o mundo em que hoje vivemos.
E daí, perguntarão. Daí que toda a febre do momento atual, todas as lutas e questões intestinas que presenciamos são nada mais que episódios passageiros. Os humanos de ontem, assim como os de hoje, conviveram com as questões de suas épocas e as vivenciaram como se fossem eternas. Aliás, tal como fazemos hoje enquanto somos solicitados a opinar sobre os acontecimentos atuais.
Não nos é possível reconstituir com absoluta fidelidade o que terá se passado com o presidente Getúlio Vargas no dia em que se matou. Nenhum fato que pertença à vida de outra pessoa poderá ser integralmente revivido por outra. As impressões que tenho sobre acontecimentos de nosso dia-a-dia poderão no máximo coincidir com as de outra pessoa, mas certamente discordaremos pelo menos em algum ponto. O que tenho como verdade absoluta nem sempre coincidirá com o modo de ver de alguém, ainda que se trate de pessoa muito próxima a mim.
Talvez por tudo isso o melhor seja considerar, pelo menos um pouco, que a vida é passageira e os mundo gira depressa. Esse modo de ver as cosias talvez nos ajude a atravessar esse período de crise no qual somos a toda hora informados de falcatruas nessa voragem que parece não ter fim.
Daqui a cinco anos talvez tenhamos nos esquecido desse tempo confuso. Quem viver verá.
Tempo que não volta
Se há algo que se torna muito claro quando se chega à década dos sessenta anos de idade é a irreversibilidade do tempo. Não que antes não a percebamos: simplesmente a ignoramos, talvez por essa noção de eternidade da vida que levamos conosco. Todo mundo sabe que a vida é finita, que mais dia, menos dia, deixaremos de ser. Aos que tem fé existe a certeza de que o estágio neste mundo não passa de preparação para outra dimensão na qual o espírito que abandonou a carne sobreviverá. As religiões se apoiam na ideia transcendental de continuidade da vida no âmbito espiritual, sendo que algumas delas admitem o retorno a este mundo, enfim a reencarnação. Infelizmente, todas formas de contato com dimensões post-mortem não são conclusivas, restando dúvidas sobre a realidade de contatos com pessoas que já morreram.
Mas, eis que me desencaminho. O tempo corre e em geral fingimos que ele não passa para nós. Mas, de repente a mocidade fica para trás e nos deparamos com a realidade de que avançamos em direção à fronteira na qual ninguém sobrevive. O caminho em direção à lápide é tortuoso e não se sabe quando termina. Mas, enquanto seguimos por essa via - na medida em que avançamos – velhas questões que na faina diária deixamos de lado ressurgem. Trata-se de perguntas para as quais obviamente não existem respostas definitivas, mas que nos incomodam. Questões sobre o sentido da vida, o bem e do mal, a existência da alma e mesmo a de Deus tornam-se imperiosas. Afinal, o que há do lado de lá, depois dessa enorme sombra para a qual seremos projetados no momento em que deixarmos o mundo que conhecemos? Essas e muitas outras questões com as quais não perdemos tempo no dia-a-dia de repente começam a incomodar, senão pressionar porque envolvem significados que não alcançamos. Trata-se da vontade de saber a qual só a morte pode conter.
Você se entende envelhecendo quando repara que as pessoas que fazem parte da sua geração desparecem, lenta e progressivamente. Pessoas de nosso convívio, personalidades públicas, ícones de nossa época morrem e a morte deles figura como aviso de que também a nós está reservado o mesmo fim. É esse despovoamento de nossos pares que abala a noção de eternidade da vida à qual nos agarramos tão vigorosamente.
Escrevo sobre isso porque ontem morreu o ator Walmor Chagas. Tinha ele 82 anos de idade e foi encontrado morto com um revólver sobre o colo. Não há como ficar indiferente à morte de Walmor, ator a cujas encenações nos habituamos ao longo de décadas. Eu o vi, ainda moço, no palco, participando de uma peça. Há pouco tempo revi o filme “São Paulo S/A” no qual Walmor tem atuação magnífica, trazendo-nos de volta aquela cidade de São Paulo em ritmo de industrialização. Não há como não ligar a morte de Walmor à percepção de um mundo que se vai, de fim de uma época, da voracidade com que o tempo devora as nossas vidas.
Ninguém sabe quanto tempo viverá. Entretanto, nunca é demais lembrar aquelas que foram as últimas palavras de Machado de Assis em seu leito de morte:
- A vida é boa!
Talvez por isso o deixar de ser nos impressione tanto.
Passagem do tempo
Contabilizamos a duração da vida em acordo com o calendário gregoriano. Promulgado pelo Papa Gregório XIII, em 1582, o calendário determina a duração do ano civil, sendo utilizado no mundo inteiro. Dias, semanas e meses fazem parte do calendário e norteiam a passagem do tempo de nossas vidas.
Bem, nenhuma novidade no que está escrito no parágrafo anterior. Todo mundo sabe disso e nada há a fazer em relação ao tempo que devora a existência. O problema é que nem sempre nos damos conta de que o tempo realmente passa e existe um fim para a vida. De repente, não mais que de repente, o jovem saudável do passado descobre-se envelhecido. Progressivamente suas aptidões físicas e mesmo mentais se reduzem. O organismo começa a pagar pesados tributos aos desgastes provocados pela longevidade. Doenças acossam, males podem vir acompanhados de muito sofrimento. A página que fecha o livro da vida em geral não contém relatos de fatos agradáveis.
Entretanto, uma boa vida pode muito bem ser coroada com período final caracterizado por muita compreensão e felicidade. Cada fase da existência tem seus prós e contras, com a velhice não é diferente. Não se trata de fazer coro à tal “melhor idade” que de melhor não tem é nada. Não custa, porém, recordar que na velhice as pessoas têm a seu favor a experiência acumulada e certo olhar mais compreensivo em relação ao fenômeno vida. Daí que não se justificam tantos inconformismos observados por aí afora. Quem não conhece pessoas que ficaram velhas e simplesmente não aceitam ou se revoltam contra as limitações trazidas pela idade?
Escrevo isso por ter contato com pessoa extremamente ativa em seu passado, dotada de muita inteligência e realizada economicamente através de seu próprio esforço. Bela história de superação pessoal a dela que vinda de baixo hoje em dia goza de conforto e tornou-se dona de seu nariz como se diz por aí. Pois nada disso serve a ela como estímulo. Vez por outra me fala ao telefone e repete o mote que adotou de tempos para cá: a velhice é triste.
De nada adianta lembrar a essa pessoa sua imensa capacidade de superação, o sucesso de sua carreira, os filhos bem criados, os muitos netos, a família que a reverencia. Tudo isso parece sucumbir diante do fantasma do envelhecimento cuja marcha progride a cada minuto e dia do calendário.
A pessoa de quem falo queixa-se do envelhecimento, mas não quer morrer. O apego à vida a mantém ereta frente à batalha que tem pela frente a cada manhã. Sabe que o tempo não tem volta, nisso a razão de seu inconformismo.