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O fim da letra cursiva?
De que as escolas de hoje são muito diferentes das do passado todo mundo sabe. Houve tempo, não tão distante, em que disciplina se mantinha à base de reguadas, tapas e outros infortúnios aplicados às crianças. Não se estranhava porque era assim, os pais não reclamavam porque também tinham passado por isso, apanhar um pouco era um dos componentes da tal pedagogia do medo.
Lembro-me bem de uma professora do meu segundo ano do curso primário, hoje chamado de Ensino Fundamental. Era brava como uma peste, temida pela molecada que nem por isso deixava de aprontar. Ela ensinava português como quem prepara gente para uma competição internacional destinada a poucos eleitos. Andava pela sala como uma víbora pronta a dar um bote, carregando sempre uma régua comprida na mão. Oh, régua danada de doida. Pois foi essa mulher rígida que enfiou na minha cabeça que “antes de p e b só se coloca m”, que “o cedilha de açúcar está no primeiro c” e uma enormidade de coisas que gravei para sempre. E que dizer das exigências dela quanto à letra que tínhamos por obrigação aperfeiçoar sempre para, como ela dizia, fazermo-nos entendidos não só pelo conteúdo, mas pela clareza da forma escrita.
A minha professora morreu há muito tempo. Tive contato com ela anos depois de ter sido seu aluno. Então pude vê-la em sua realidade de mulher muito simples, que acreditava no que fazia daí seu empenho em ensinar nas escolas do governo em pequenas cidades do interior. Dela guardei as imagens de rigidez que presenciei em meus tempos de menino e a de pessoa afável e certa de ter cumprido o seu dever, como pude verificar anos mais tarde.
Bem, os tempos são outros e, obviamente, é inaceitável o ensino na base do medo e espancamentos. Os alunos de hoje dispõem de recursos inimagináveis no passado, bastando citar os computadores e a internet como meios úteis ao aprimoramento, pesquisas etc. Entretanto, é válido se perguntar se toda a tecnologia disponível é suficiente para substituir meios de aprendizado consolidados ao longo de décadas e que fizeram parte da formação de toda gente. Mais especificamente refiro-me à possibilidade de abandono da letra cursiva em instituições escolares. Trata-se do abandono de caneta, lápis e papel, pura e simplesmente.
A notícia vem dos EUA: o ensino da letra cursiva (de mão) será opcional e deverá ser abandonado posteriormente. Por enquanto a medida será colocada em prática no estado de Indiana. Depois deverá se estender por todo o país. Considera-se essa forma de escrever ultrapassada, devendo-se concentrar o interesse nas letras de formas. O fato é que as crianças já não têm necessidade de escrever em papel, afirmam os pedagogos.
Então, adeus letra cursiva, adeus cadernos de caligrafia que já não são mesmo sendo usados em muitas escolas atualmente. Um viva para os teclados de computadores, telefones e outras engenhocas do gênero. Quanto às assinaturas, tão necessárias em várias circunstâncias, vale lembrar que mesmo analfabetos são capazes de desenhar o próp,rio nome no papel.
Há quem seja contra o abandono da letra cursiva. Esses destacam que a letra representa, em parte, a personalidade das pessoas. Talvez os contrários lutem contra o inevitável porque, como se disse, os tempos e as pessoas são outros.
Eu? Creio que não me entenderia como gente caso não fosse capaz de pegar papel e rabiscar alguma coisa com a minha sofrível letra pela qual tanto se empenhou a minha antiga professora.