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Jornalistas esportivos
Que fique claro: Nelson Rodrigues deve estar saturado tantas vezes vem sendo citado. Nelson é dessas raras unanimidades nacionais, embora ele mesmo garantisse que “toda unanimidade é burra”.
Mas, Nelson parece ter exagerado nas usas certezas, tipo futurólogo. Tanto que os jornalistas que escrevem sobre a Copa a todo transe se apoiam no velho Nelson. Hoje mesmo, na “Folha de São Paulo” Nelson comparece em alguns artigos. Tostão escreve que Nelson Rodrigues chamou os críticos de “idiotas da objetividade”, por falarem, após o fracasso do Brasil na Copa de 1966, que o futebol-arte tinha acabado. Sérgio Rodrigues questiona o fato dos brasileiros estarem se comportando nessa Copa como o que Nelson Rodrigues chamava de “Narciso às avessas”. Alvaro Costa e Silva destaca o fato de que Nelson Rodrigues nunca se acostumou com o dogma da profissão de jornalistas no qual “notícia ruim é o que interessa”. Por isso preferia falar sobre passarinhos, mulheres bonitas, enfim das coisas boas da vida.
O que não existe mesmo é coincidência na opinião dos jornalistas esportivos. Basta ligar a televisão para entrar em contato com uma plêiade de entendidos de futebol, ávidos por expressar suas opiniões. Ontem, por exemplo, o Brasil venceu o México, isso para alegria da galera nacional que torcia desesperadamente pela vitória. Para quem assistiu à transmissão do jogo pela Globo enfatizou-se a importância da atuação de Gabriel Jesus pelo sacrifício e espírito de equipe. O centroavante foi visto, muitas vezes, dando combate a adversários perto da área brasileira. Já comentaristas de rádio pediam a substituição de Gabriel que, em sua opinião, não estava jogando nada. Depois do jogo, pelos microfones da Band, Milton Neves implorava Tite que tirasse Gabriel do próximo jogo.
Não sei se atualmente está em atividade algum jornalista que possa ser considerado a principal fonte crítica sobre jogos de futebol. No passado contávamos com a dupla Pedro Luís e Mário de Moraes os quais, pelas ondas de rádio transmitiam os jogos para o público em maioria paulista. Pedro narrava com incrível precisão. Ao ouvi-lo tinha-se visão do campo onde se jogava e, mais que isso, sobre o lugar onde a jogada se realizava. Pedro era um mestre da narração. Mário de Moraes fazia os comentários com muito acerto, daí ser o preferido dos ouvintes de rádio.
Quando o Brasil venceu a Copa de 58, a explosão de alegria no país é ainda hoje inimaginável. Seria preciso “estar lá” para medir a extensão daquela vitória sobre a alma dos brasileiros. Entretanto, houve um comentarista de rádio que, mesmo nos momentos que se sucederam à vitória brasileira por 5×2 sobre a Suécia, achou de tecer pesadas críticas ao escrete nacional. Esse comentarista pagou caro por isso. Depois da Copa queriam pegá-lo… Houve um jogo no Pacaembu no qual o radialista em questão apareceu e, por pouco, não foi linchado.
Futebol é paixão. Por mais que lute para isso, nenhum jornalista de esportes é completamente isento. Segundo Nelson Rodrigues “em futebol, o pior cego é o que só vê a bola”. Daí que se cuidem os que tratam desse assunto.
Narradores esportivos
Assisti à entrevista do locutor Luciano do Valle transmitida pelo canal pago ESPN. De Luciano pode-se dizer que foi incorporado pelos torcedores ao imaginário do esporte. Tem ele em sua longa carreira o mérito de ter iniciado a transmissão de vários gêneros de esporte no país, contribuindo para que caíssem no gosto do público. O vôlei deve muito a Luciano cuja perspicácia foi decisiva para a divulgação de grandes nomes desse esporte, iniciando-se, assim, uma tradição de grandes seleções brasileiras que perdura até hoje.
Na entrevista Luciano referiu-se a grandes nomes do rádio e da televisão, fazendo-nos recordar narradores, comentaristas e repórteres que marcaram época no país. Pedro Luís, Mário de Moraes, Fiori Giglioti, Darcy Ribeiro, Juarez Soares e muitos outros foram citados. Quem ficava com os ouvidos grudados no rádio por ocasião das transmissões de jogos de futebol, certamente ainda hoje é capaz de recordar, mentalmente, o timbre da voz de cada um desses excelentes jornalistas que alimentaram as nossas paixões pelo esporte.
A entrevista de Luciano levou-me a recordar um tempo em que a televisão era ainda incipiente e o rádio pontificava como meio exclusivo de divulgação do esporte. Lembro-me bem dos comentários de meus familiares que volta e meia se referiam ao famoso jogo do São Paulo contra o Milan, realizado na Itália e transmitido pela Rádio Pan-Americana - atual Jovem Pan. Nesse jogo de 1951 o locutor Geraldo José de Almeida narrou o verdadeiro massacre sofrido pelo São Paulo, irremediavelmente derrotado pelo Milan com auxílio do árbitro que favorecia a equipe italiana. A terrível derrota do São Paulo que entristeceu e enfureceu seus torcedores na verdade não aconteceu: tratava-se de uma armação realizada em torno de um jogo que não aconteceu, piada inventada para comemorar o dia primeiro de abril que é o dia da mentira.
Cheguei a ouvir transmissões realizadas pelo sempre fantástico Ari Barroso que, além de enorme maestro e criador musical, deu-se ao desfrute de narrar futebol. Jamais me esquecerei do estilo irreverente de Ari que durante uma transmissão de jogo pela TV disse em relação a um jogador que cometera uma falta e seguira com a bola: “ele desossou um ali”. Tal a perfeição do comentário em relação à jogada que se vira na TV que um meu tio pôs-se a gargalhar, divertindo-se muito.
A Copa de 58 ouvi pelo rádio. Num dos jogos do Brasil estava eu febril de modo que pedi que trouxessem o rádio da sala para o quarto onde estava acamado. Os jogos de 58 são inesquecíveis dado que Pedro Luís transformava o dial do rádio num campo de futebol, orientando os ouvintes quanto ao lugar do campo onde os lances estavam ocorrendo.
De Luciano do Valle guardei a transmissão da Copa de 82 na qual o Brasil perdeu o fatídico jogo para a Itália. Os três gols de Paolo Rossi nunca saíram da cabeça dos brasileiros que vivenciaram aquela tragédia. Na entrevista Luciano revelou que o então técnico Telê Santana não quis segurar o empate que garantiria a classificação brasileira: queria vencer a Itália e não fez a necessária substituição de Cerezo por Batista. Era hora de segurar o jogo, Telê optou por atacar. Esse jogo dói até hoje porque a seleção de 82 talvez tenha sido uma das maiores coleções de craques que o Brasil já revelou.
O futebol - assim como o esporte em geral - é parte integrante do cotidiano e nos permite por alguns momentos deixar de lado agruras do dia-a-dia. Talvez por isso tenhamos tanta estima pela gente do rádio e da TV ligada ao esporte, a ponto de os considerarmos como pessoas muito próximas cujas opiniões ouvimos com muita atenção. No mundo esportivo Luciano do Valle tem sido um ícone e exemplo para as novas gerações de locutores e comentaristas pela seriedade de seu trabalho e compromisso com seus ouvintes.
Locutores Esportivos
Quando as transmissões de jogos de futebol pela TV apenas engatinhavam o jeito era acompanhar pelo rádio. As Copas de 58 e 62, por exemplo, foram ouvidas pelo rádio. O mesmo com as Copas de 50 e 54 as quais não ouvi por ainda estar no limbo da idade. Mas meu irmão e tios sempre se referiam às atuações do fantástico Bauer no “escrete nacional”. Não tenho certeza, mas tenho a impressão de que ninguém mais usa a expressão “escrete nacional” para se referir à seleção brasileira de futebol.
Bem, cada um tinha a sua rádio favorita e, obviamente, os locutores e comentaristas de sua preferência. Em menino cheguei a ouvir a poucas transmissões do grande compositor Ari Barroso que, entre outras façanhas, dava-se ao luxo de ser locutor esportivo. Em geral os torcedores paulistas não gostavam das irradiações de locutores esportivos cariocas que tinham estilo bem diferente da moçada da Paulicéia. Por aqui os favoritos eram Pedro Luís, Edson leite, Fiori Giglioti, isso para ficar nos nomes de uns poucos. Comentaristas eram o Mário de Moraes, o Mauro Pinheiro isso para também ficar em nomes que a memória me trás de imediato. As locuções pela TV ficavam por conta do Walter Abraão que tinha jeito muito próprio de narrar pela TV Tupi.
Hoje em dia estão nas rádios vários locutores, alguns muito bons. Competem com eles as transmissões de jogos pela TV que roubam a atenção de torcedores que ouviriam os jogos pelo rádio. Quanto a mim ainda prefiro o rádio, por incrível que pareça. Na verdade assisto parte dos jogos pela TV e mudo para o rádio quando as coisas não estão favoráveis ao time de meu interesse. Conheço muita gente que desliga o som da TV e ouve o jogo pelo rádio, acompanhando as imagens da TV. Acontece entre os locutores da TV com frequência falarem sobre muita coisa, deixando o jogo de lado. Isso enerva a os torcedores mais fanáticos a quem interessa exclusivamente oque se passa em campo.
Dos grandes locutores do rádio para mim o melhor sempre foi o Pedro Luís. Ele conseguia transferir para o dial do rádio as linhas do campo de futebol, situando o torcedor, com exatidão, nos lugares onde se desenvolviam os lances. Tinha um jeito especial de narrar os lances, situando o jogador que estava com a bola, quem estava perto dele e as possibilidades de andamento da jogada. Era perfeito. Ainda hoje, muita gente se mostra influenciada pelo jeito dele narrar.
Escrevo sobre isso porque hoje faleceu o Luís Noriega que narrava jogos pela TV Cultura. Tinha ele um modo diferente de narrar: mais equilibrado, contido, primando pela imparcialidade que a TV Cultura exigia como norma em suas transmissões de jogos. Era, porém, muito agradável assistir a jogos pela TV Cultura, justamente pelas narrações do Noriega.
Quando surgiu a TV especulava-se sobre o destino do rádio. Gente aficionada - como eu - jamais temeu pela sorte do rádio. O fato é que o rádio continua firme e forte, conquistando cada vez mais simpatizantes. Aliás, tão firme e forte quanto essa gente toda que narra esportes, mantendo aceso o fogo e a fé das grandes torcidas.