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Paixão não se discute
Tenho um amigo que é santista roxo. Dia de jogo do Santos é sagrado. Se o jogo acontecer na Vila Belmiro, então… Não vou dizer que seja o primeiro a chegar ao estádio, mas ele estará lá quando o jogo começar.
Quando o Robinho deu aquelas pedaladas no Santos, forçando a barra para ir jogar no Real Madri, o meu amigo variou do desconsolo à fúria. Traidor- repetia ele – dizendo que Robinho tinha, sim, o direito de ir embora, mas não cuspindo no prato que comeu.
Após o jogo em que a seleção brasileira foi desclassificada, na Copa de 2006, o meu amigo não perdoou Robinho pelo jeito como ele se comportou: terminada a partida, Robinho teria saído do campo sorridente como se tivesse participado de uma pelada. Não sei se foi assim, mas o meu amigo, cheio de raiva, leu desprezo no rosto do jogador. A raiva foi manifestada, também, há pouco tempo, quando Robinho andou metido numas encrencas na Inglaterra. Na ocasião o meu amigo sentenciou:
- Eu não disse? Esse cara…
Pois, há dois dias o meu amigo me ligou. Estava radiante: Robinho estava de volta ao Santos, por período curto, mas isso não importava. Como eu sabia da bronca dele em relação ao jogador, dei uma cutucadinha dizendo que a volta não seria pelo amor ao Santos, mas pela oportunidade de jogar a Copa do Mundo.
O meu amigo nem se deu ao trabalho de responder à minha provocação. No dia seguinte, o da chegada de Robinho, lá estava o meu amigo, santista roxo, na Vila Belmiro, fazendo parte dos 12 mil torcedores que foram receber o grande jogador.
Conversamos hoje de manhã. O meu amigo continua muito entusiasmado, feliz da vida pela volta do Robinho:
- Ele veio de helicóptero. Entrou junto com o Pelé. Dois reis, meu amigo, dois reis…
Paixão é paixão e o Santos maior que qualquer divergência. Por essas e outras é que se diz que torcedor é um cara que só tem um órgão no comando de tudo: o coração.
Cinquenta anos depois
Vez por outra um determinado acontecimento completa cinquenta anos desde a sua ocorrência e o fato, quando não comemorado, é pelo menos lembrado.
Está acontecendo agora com a ex-tenista Maria Ester Bueno que comemora os cinquenta anos de sua vitória no torneio de tênis de Wimbledon. A “dançarina”, como era chamada, foi tricampeã em Wimbledon, venceu cinco grandes Slams e inúmeros torneios. Jogou numa época em que os atletas eram movidos quase que só por amor e dedicação: viajava sozinha, utilizava meios de transportes mais baratos e não dispunha de retaguarda que cuidasse de seus interesses. Certa ocasião jogou 120 games num só dia, seu braço estourou e adeus carreira de tenista número um do mundo.
A glória de Maria Ester fez parte daquele reboliço que se instalou no país no final dos anos cinqüenta e início dos sessenta. Quem viu jamais se esquecerá. De repente, o país em permanente atraso e descompasso com o mundo parecia acordar. Juscelino Kubitschek exercia a presidência de onde sairia em 1961. Eram os tempos dos cinqüenta anos em cinco, da inauguração de Brasília (1960) e do incremento da indústria automobilística. Em 1958 o Brasil conquistava pela primeira vez a Copa do Mundo, na Suécia, e Pelé surgia para o mundo. No boxe aparecia a impressionante figura de Eder Jofre, um demolidor peso-galo que conquistava o título mundial de sua categoria em 1960. Em agosto de 1958 João Gilberto lançava um compacto com a canção “Chega de Saudade”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, que para muitos representa o marco zero da Bossa Nova.
Tempos febris que de repente estremeceram com a eleição de Janio Quadros para a presidência da República, sua renúncia, o governo Jango e o grande nó que foi a revolução de 64. Desses dias muita gente lembrará facetas diferentes; dias nublados terão sido observados sob ópticas nem sempre coincidentes. Histórias contadas nos dão conta de protestos tantas vezes inúteis, opressão e a mão-forte de um sistema em voga nessa América que parece ter sido descoberta para ser laboratório do mundo, gleba de terras onde ideologias eram lançadas com o único propósito de se colidirem, levando consigo corpos, mentes e muito sangue.
Tantas glórias e desgraças para serem lembradas agora e me pergunto se devem ser comemoradas. Os gritos ao pé dos rádios que anunciavam os dribles de Garrincha e as investidas de Pelé ainda ecoam por aí. Os murros de Eder Jofre, o melhor peso-galo de todos os tempos segundo o Conselho Mundial de Boxe, ainda parecem derrubar temíveis adversários. A raquete que Maria Ester Bueno atirou para cima no momento em que venceu em Wimbledon parece ter entrado em órbita e nunca mais voltou. Tom Jobim e Vinicius de Moraes morreram e João Gilberto resiste bravamente com sua voz peculiar, submetendo multidões para sempre encantadas.
De repente passaram-se cinqüenta anos! Dou-me conta disso assistindo a uma entrevista de Maria Ester na televisão. Lá está ela referindo-se a coisas que se tornaram memória e pó.
Não há como não sentir saudades daqueles anos, de tudo em que se acreditava, de um Brasil infante querendo crescer, de um mundo que passou e já não pode ser descrito com palavras.