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Os curiosos
Quando meu primeiro filho nasceu fui ao cartório para registrá-lo. Na ocasião o cartorário perguntou-me se trouxera comigo alguma testemunha. Como não viera acompanhado perguntei a um senhor se poderia me fazer a gentileza de testemunhar para mim. Ele sorriu e concordou. Então o cartorário perguntou à minha testemunha o nome e a sua profissão. Era um homem bastante simples de cujo nome não me recordo embora conste da certidão de nascimento de meu filho. Entretanto, nunca me esqueci da profissão daquele homem. Quando perguntado sobre o que fazia ele respondeu prontamente: sou um curioso.
Não sei se hoje em dia existem curiosos por esse vasto Brasil afora. Houve tempo, porém, em que havia muitos curiosos em plena atividade. Para quem não sabe o curioso é um sujeito sem formação específica, mas que se aplica a variadas funções. Trata-se dos tais servicinhos como consertos, instalações simples, vazamentos, pinturas, enfim coisas de pequena monta, mas que exigem habilidade. Aliás, é bom que se diga: o curioso é sempre dotado de habilidade, tanto que acaba por resolver situações muitas vezes complexas.
Tínhamos um vizinho que era um curioso. Era chamado às casas para resolver problemas de toda sorte. Habilidoso tinha algum conhecimento de carpintaria de modo que consertos de móveis, fechaduras e mesmo a construção de objetos de madeira de uso comum faziam parte do seu arsenal de serviços.
O nosso vizinho era um bom sujeito e contava com prestígio entre a população local que o queria muito bem. Certa vez foi necessário substituir aa porta de minha casa, aquela que dava para a rua. A porta envergara e não havia outro remédio senão trocá-la. Para isso meu pai confiou o serviço ao nosso vizinho. No dia combinado apareceu ele em nossa casa com suas ferramentas e pôs-se a trabalhar. Horas depois, porta colocada, o vinho chamou meu pai para conferir o serviço. Quando se aproximou da porta meu pai reparou que a tranca de segurança fora colocada do lado de fora. Ora, nessa posição a tranca era inútil, dado que o correto seria instalá-la dentro para reforçar a segurança da casa.
Ao ouvir as considerações de meu pai, o vizinho discordou. Parecia a ele que o correto era a tranca do lado de fora. Em vão meu pai insistiu sobre a obviedade de se colocar uma tranca interna para fechar a casa. No fim o vizinho se aborreceu, pegou suas ferramentas e saiu de casa bufando.
Na época não sabíamos, mas não fora essa a primeira manifestação da loucura de nosso vizinho que já vinha tendo comportamento estranho há algum tempo. Depois dessa ocasião ele piorou, chegando a ser internado em hospício, como se recomendava na época. A partir daí passou a viver entre idas e vindas ao hospício. Na última vez em que retornou para junto dos seus era um homem acabado cujo olhar vago perdia-se no horizonte.
O vizinho da casa de meus pais morreu cerca de dois anos depois do episódio da tranca externa da porta. Ficou-me esse homem na memória como um curioso de excelência, tamanha sua habilidade e presteza.