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Os invisíveis
Tem gente capaz de cortar uma das mãos para aparecer, ser notada etc. Lembro-me de um sujeito com quem trabalhei. Era especialista em chamar a atenção. Vestia-se bem, barba sempre bem-feita, cabelos no ponto. Quase desfilava. O detalhe: tinha mote para chamar a atenção. Sempre que nos encontrávamos comentava sobre a minha camisa: bela camisa, parceiro. Bela camisa a minha velha, surrada? Que nada. Era o jeito dele de chamar a atenção para a camisa que estava vestindo. Como eu já sabia, entrava no jogo: a minha é velha, bonita mesmo é a sua. Estava dada a partida. Nos instantes seguintes ele falaria sobre a loja em que comprara a camisa, a marca, o tecido, etc.
Você poderá se perguntar sobre a razão de eu aceitar o jogo desse cara com quem trabalhei. Ora, aquilo não me custava nada e o deixava de tal modo feliz que… Além do que o fulano não era lá mau sujeito. Boa prosa, convivia-se com ele, agradavelmente. Exceto pelo exibicionismo barato. O tal era desses mulherengos de contar casos. Gabava-se de conquistas e, se déssemos corda, chegava aos detalhes de suas aventuras sexuais. Mas, desconfiávamos de que, no fundo, o arrumadinho não passasse de um garganta. Morava ali no Bom Retiro, casara-se com mulher endinheirada cuja mãe o detestava. Certa vez fez festa de aniversário em sua casa e pude ver o repúdio da velha senhora pelo tipo de genro que a sorte dera a ela.
Tudo isso para dizer que minha preferência é pelos invisíveis, essa gente que prima por passar despercebida, atuando com responsabilidade sem advogar os louros de suas conquistas. Gente de verdade. Cruzei com muitos do tipo vida afora. Em certos ambientes testemunhei a luta desenvolvida por personalidades vaidosas para sobrepujar invisíveis que não faziam a menor questão de ser reconhecidos em suas atividades.
A vaidade faz parte do cerne de muita gente. Entretanto, nem sempre se aloja em pessoas que mereçam destaque. O vaidoso que tem limitações vive as agruras de engendrar planos para sobrepor-se aos semelhantes, em geral expondo-se desnecessariamente. Nesse caso a ambição de destacar-se acaba emperrando na ausência de capacidade. É carroça de bois sem os animais que a puxam.
O mundo é como é e nada pode mudar as paixões que governam os seres humanos. Conta-se sobre um cirurgião que mandou fazer um bisturi de ouro e saiu pelo mundo para entregá-lo ao melhor cirurgião que encontrasse. Depois de passar por vários países retornou àquele em que vivia. Então deu uma festa para muitos convidados e, solenemente, entregou a si mesmo o bisturi que o distinguiria como o melhor do mundo. Depois, esse homem envelheceu como acontece a todo mundo e foi sendo esquecido. Quando morreu uma única linha no obituário dos jornais foi o que restou daquela imensa prepotência e arrogância que o caracterizara em vida.