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O humor e o riso
Recentemente vi pela televisão o show de um comediante em teatro dos EUA. Se não me engano, tratava-se de comediante inglês que se aproveitava das diferenças entre os dois povos de língua inglesa para arrancar gargalhadas das pessoas presentes.
Todo mundo sabe que o riso está ligado às circunstâncias. Riso é momento, oportunidade, enlevo e, principalmente, o bom humor de quem ouve a piada. No caso do comediante inglês espantou-me o baixo nível das piadas. O tema principal era, sem mais, nem menos, o das relações entre vagina e pênis. Carregadas de simbolismo, as piadas eram, mais que contadas, executadas. Valia-se o comediante de posições sugestivas de seu corpo que, sabiamente, acompanhavam o ritmo das palavras. Assim, ele conseguiu ser num momento, o próprio pênis, noutro a própria vagina. No mais, a apresentação não saiu dessa rotina, para encanto de uma enorme platéia que gargalhou durante todo o tempo.
Riso é clima. Piadas não foram feitas para ser contadas em cemitérios, durante enterros. Piadas exigem lugar, representação e jeito de contar. Há pessoas que fazem rir pela sua seriedade obsessiva. Outras se arreganham em micagens e encontram quem as ache engraçadas.
Riso é também inteligência, presença de espírito, aquela coisa de captar o lado tantas vezes esdrúxulo de situações incomuns. Há ocasiões em que rimos de nós mesmos, em geral pontuadas pelo ridículo a que nos expusemos.
Não devemos também nos esquecer do riso dos neuróticos, do riso absurdo e incontido dos loucos, da risada sardônica que se atribui ao Diabo, das gargalhadas inoportunas a custo contidas durante situações nas quais a alegria é em absoluto proibida.
Escrevo essas mal traçadas, aventurando-me a considerações sobre o humor e o riso, porque tenho um amigo que me envia, diariamente, emails com piadas. Tem ele o faro e o bom gosto pelas boas piadas, daí entregar-se ao prazer de escolhê-las e enviar aos amigos.
Ofício de bom samaritano esse do meu caro amigo. Quantas são as manhãs em que os problemas cotidianos se somam, alterando negativamente o meu humor. Pois nessas ocasiões sempre me acontece receber email enviado pelo meu amigo: leio o conteúdo e, invariavelmente, começo a rir.
As ótimas piadas enviadas pelo meu amigo são um bálsamo em meio à mesmice dos dias que passam. Elas me fazem lembrar de que não estamos no mundo para sofrer: a vida é breve e o que nos cabe é aproveitá-la da melhor forma possível, preferencialmente com bom humor.
Portanto, caro leitor, faça um favor a você mesmo: ria. Caso não tenha razões para rir, dê um jeito de divertir-se até com o que lhe acontece. Lembre-se: o primeiro passo para atingir a plenitude do bom riso é não se levar muito a sério. Se conseguir isso verá que o mundo tem o seu lado engraçado e a vida parecerá a você mais leve e divertida.
Keep Walking
É bom avisar logo: há quem goste. Mas, nem todos.
Então: você tem um amigo no trabalho, o cara é sangue bom, estreitam-se os laços. Você não conhece a mulher dele, nem ele a sua. Chega o dia em que ele convida você e sua mulher para a casa dele, bate-papo de sábado à noite.
Vocês vão. Como eles serão? No trajeto a conversa entre você e sua mulher gira em torno de coisas corriqueiras, os filhos que ficaram com a avó e, vez por outra, uma ponta de curiosidade sobre o casal que visitarão.
Você estaciona o carro, está sóbrio, meio cansado da semana estafante, na verdade resolveu visitar o amigo mais para que a sua mulher saísse um pouco de casa. No elevador vocês não dizem nada, descem no sétimo andar, apertam a campainha do 716 e lá está o seu amigo, abrindo a porta, com um sorriso enorme grudado na face. Atrás dele a mulher, uma loirinha simpática que sorri confiante e logo abraça a sua mulher para que ela se sinta em casa.
Os quatro estão sentados na sala esperando pintar um assunto, na falta de algum você fala algo sobre o serviço. Não demora a que as duas mulheres se levantem para ir à cozinha enquanto você e o seu amigo conversam.
Minutos depois as duas retornam trazendo bandejas com salgadinhos e é a vez do seu amigo se levantar perguntando o que você quer beber, ele tem Johnny Walker, é bom tomar agora porque hoje mesmo chegou uma notícia da Escócia avisando que a fábrica desse uísque vai ser fechada.
O seu amigo entra na cozinha para pegar copos e gelo enquanto você sai do sofá e vai até a janela para dar uma olhada no bairro. Enquanto espera pelo uísque vê carros passando na rua e observa as janelas dos outros prédios com as luzes acesas. Tem gente lá dentro, para além janelas, gente como nós, pessoas que se visitam num sábado à noite para preencher o tempo procurando identidades, talvez amizades duradouras. Você está filosofando sobre esse fato quando ouve o barulho do gelo batendo nos copos, é o seu amigo que volta com o mesmo sorriso de antes, repetindo que é bom aproveitar porque a fábrica do Johnny Walker está para fechar.
Agora estão todos sentados novamente, as mulheres tomam cerveja preta, vocês Johnny Walker. A bebida solta as línguas, em pouco a conversa esquenta. De repente o seu amigo fica em pé, faz cara de sério e avisa que vai contar uma piada. Antes que ele conte, a loirinha diz que o marido é um ótimo contador de piadas.
- É bom que vocês se preparem, acrescenta.
Então o seu amigo diz que a piada é nova e você repara que a mulher dele já está rindo mesmo antes dele começar.
A piada é de português, o rapaz conta com detalhes imitando o jeito de falar dos portugueses. Você acha a piada meio sem graça, mas ri por obrigação enquanto a loirinha se escangalha de tanto rir. A sua mulher também ri, mas não muito, ela é meio fechada mesmo e você conclui que para o jeito dela a quantidade de riso foi até razoável.
Com tantas risadas a alegria se instala e o seu amigo fica animado iniciando-se uma longa sessão de piadas. A partir da quarta ou quinta piada você começa a achar a coisa toda meio insuportável, mas continua rindo com jeito meio desengonçado. Na décima você descobre um jeito de parar a sessão, levantando-se para ir ao banheiro.
Você se olha no espelho e pergunta-se sobre o que está fazendo ali numa noite de sábado. Depois lava a cara com água fria e pondera que talvez a sua mulher tenha razão, você é um grande chato, não se afina com ninguém, se depender de você fica-se sempre em casa, vendo filmes no DVD ou partidas de futebol.
Quando sai do banheiro lá está o seu colega de trabalho - você já não pensa nele como amigo -com a garrafa de uísque na mão, repetindo que é bom tomar agora porque a fábrica do Johnny Walker vai fechar na Escócia, houve até uma passeata dos escoceses protestando contra o fechamento.
Você decide tomar mais, afinal a bebida pode ajudar numa situação dessas. É quando percebe que as duas mulheres já começam a se entender melhor, estão falando baixinho, mulheres são assim, não tem jeito. Elas conversam animadamente, agora o colega da empresa acaba de colocar um CD de uma dupla sertaneja para tocar e a loirinha grita que ama essa música, perguntando se vocês também gostam.
A coisa está nesse pé quando a loirinha tem a idéia genial de convidar todos para uma partida de buraco. Você tenta protestar, vai dizer que está na hora de ir embora, mas é tarde, os três já decidiram, você está sozinho, a sua mulher acaba de passar para o lado deles.
O passo seguinte é uma interminável sequência de partidas de buraco, vez ou outra você e sua mulher batem, mas os donos da casa são bons e vão ganhando com os pontos que são marcados num caderninho. A certa altura a sua mulher diz que eles estão ganhando porque jogam no campo deles, quando forem lá na casa de vocês para pagar a visita o resultado será diferente. Imediatamente você decide se livrar de todo e qualquer baralho que tiver em casa, fará isso logo que chegar para não correr o risco de se esquecer.
Lá pelas três da madrugada você convida pela décima vez a sua mulher para ir embora e ela jura que agora será a última partida. Quando termina, a loirinha já está se preparando para embaralhar, mas você se levanta, Seguem-se vários ohs e apelos para mais uma última: não adianta porque você precisa dormir, está se despedindo.
Antes de você sair o seu colega convida para um último gole de uísque porque a fábrica do Johnny Walker vai fechar e é preciso aproveitar. Você agradece, puxa a sua mulher pelo braço e se despede.
Você está no elevador quando a sua mulher olha para você e diz, demonstrando um pouco de pena:
- A gente podia ter ficado mais. Você é mesmo um chato, não se afina com ninguém.
Você não responde. No caminho, voltando para casa, você apenas consegue sorrir, repetindo para si mesmo:
- Keep walking.