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A presidência da República
De uma coisa estejam certos: depois que Luís Inácio Lula da Silva ocupou o cargo a presidência da República nunca mais será a mesma. Não foi a presidência que se serviu do funcionário eleito pelo povo para ocupá-la: foi Lula quem se serviu da presidência.
Nos últimos oito anos toda a aura que sempre cercou o cargo de presidente da República foi metodicamente demolida. Lula fez questão de agir fora do esperado, rompendo com a tradição. Nem Fernando Collor de Mello que se apresentava como atleta e dava voltas de jet sky em Brasília chegou perto de Lula em matéria de inovação.
O modo de ser do atual presidente da República evidencia resquícios de revanche. Não se trata de revanche consciente, mas da sublimação do passado pobre e vida difícil.
A incessante comparação de Lula com FHC tem raízes muito mais profundas que o oportunismo eleitoral: ela se fundamenta na necessidade de demonstrar a vitória do trabalhador sobre o intelectual, daquele que ascendeu ao topo vencendo etapas contra o bem nascido. Nada de errado nisso, exceto pelos exageros.
Não há como se esconder o fato de que o presidente arroga-se acima de quase tudo, mais parecendo um agente com licença especial para agir como bem entender. As sessões de leitores dos jornais estão cheias de cartas nas quais se expressa indignação pelas atitudes do presidente. “Até onde ele pretende chegar?”, “chefe de facção”, “estimulador da violência de militantes” e outras caracterizações são comuns, havendo até mesmo entre os seguidores do presidente aqueles que o criticam pelos exageros.
Por outro lado, também não se pode negar que Lula tem sorte. Herdou de seus antecessores, por assim dizer, todos os ingredientes para fazer o bolo. E cumpriu a sua tarefa. Governou num período de calmaria, sem o fantasma da inflação banida, antes dele, com o Plano Real. Seu governo passou muito bem pelas crises mundiais, o país cresceu. Méritos existem e são inegáveis.
Goste-se ou não de Lula, aprove-se ou não a sua conduta, depois dele o conceito que se tem da presidência da República terá mudado irreversivelmente. Se para bem ou para o mal só o futuro dirá.
O Brasil cresce
Há muitos anos quem ia aos EUA ficava maravilhado com aquele país tal o impacto da riqueza, modo de vida, hábitos e oferta de produtos não encontrados por aqui. Roupas, perfumes, equipamentos de informática e outras coisas faziam parte da bagagem dos viajantes em seu retorno ao Brasil, não raramente gerando problemas alfandegários aos que não declaravam os bens que traziam consigo.
Mas o que chamava muita atenção dos viajantes era a estabilidade dos preços, resultante de uma economia sólida e que ditava as normas da economia do mundo. Comparativamente, vivíamos num período de inflação galopante com as suas inevitáveis consequências, destacando-se o ganho fácil com aplicações (dinheiro fazendo dinheiro), a deterioração dos salários e o empobrecimento progressivo da população.
De lá para cá as coisas mudaram substancialmente. A arrojada política do Plano Real que colocou fim à inflação e estabilizou os preços, permitiu o crescimento sólido da economia brasileira, tendo-se chegado ao tão sonhado patamar em que oferta e procura equilibram-se razoavelmente. Na prática a estabilidade e o crescimento da economia tornaram possível o acesso das classes menos favorecidas a bens de consumo inimagináveis a elas em passado recente.
Dessa enorme abertura resultou uma prosperidade acentuada pelas facilidades do crédito disponibilizado aos cidadãos. Carros e eletrodomésticos, por exemplo, deixaram de ser objeto de consumo das classes médias e alta estendendo-se as suas posses a camadas sociais anteriormente alijadas das possibilidades de adquiri-los.
Interessante termômetro da atual situação econômica hoje é dado pelo movimento dos negócios no setor de viagens e turismo. Tornou-se bastante comum, por exemplo, a utilização de aviões por pessoas que anteriormente no máximo poderiam pagar uma passagem de ônibus. Há casos de viagens de longas distâncias nas quais as ofertas das companhias aéreas tornam os preços dos bilhetes de avião competitivos em relação às passagens de viagens por terra.
Outro setor que tem conhecido crescimento é o dos cruzeiros marítimos. De fato a atual temporada de cruzeiros no Brasil já começa com grande movimento, de modo que o mais seguro é que as reservas sejam feitas com muita antecedência. Viagens mais baratas e planos de pagamento a perder de vista têm possibilitado verdadeira invasão de navios por brasileiros que anteriormente nem poderiam sonhar com tal privilégio.
O país vai bem. Não é demais insistir que a situação atual é obra de muita gente, nascida do esforço comum da população e obra pública de muitas mãos em anos subsequentes. E convém lembrar que a obra não está completa: é mais que hora de investir maciçamente em educação e saúde para que todos os bens ora disponilizados possam ser fruídos integralmente pelos brasileiros.
Filhos de rico
Há ocasiões em que o Brasil se parece a certos filhos de rico, aqueles caras que herdam uma fortuna sem ter a menor idéia de como foi gerada ou que não se preocupam se ela será ou não dilapidada.
Conheci um rapaz que herdou um banco. Não era dos grandes, mas era banco, negócio que veio do avô para o pai e do pai para as mãos dele. Filho único, o rapaz gastou dinheiro a rodo, interferiu nas decisões do conselho, atrapalhou muito e irresponsavelmente: o banco acabou falindo.
Outro que conheci pertencia à terceira geração de negócios rendosos consolidados em duas fábricas atuando em vários ramos. Esse chorava pelo que não chegou a ele: o pai herdara o império e passara a vida a bordo de navios luxuosos. Foi assim que acionistas tomaram conta dos negócios e acabaram embolsando a maior parte do dinheiro por ocasião da venda das fábricas.
E o que tem a ver o Brasil com essas histórias de famílias que se encrencaram? Pois olhe que o país vive atualmente perigosa euforia de novos ricos. Grandes escândalos de corrupção envolvendo somas fantásticas de dinheiro, a crescente cultura do desperdício e aí vêm as eleições que prometem desfalques nada pequenos aos cofres públicos. Mas há progressos: o governo emprestou dinheiro FMI, de devedores internacionais passamos a credores, estamos caminhando na direção do G8, parabéns.
Entretanto, é preciso lembrar um pouco da história dessa recente prosperidade. O Plano Real está fazendo 15 anos, o que significa que não muito longe dos dias atuais vivia-se uma catastrófica crise inflacionária. Quem não se lembra dos absurdos índices inflacionários, das enormes desvalorizações do dinheiro mês a mês, da insegurança da população, das prateleiras vazias dos supermercados, dos preços reajustados nas madrugadas, da corrosão dos salários, da perda da noção de valores, do dinheiro que fazia dinheiro da noite para o dia em aplicações que enriqueciam ainda mais os ricos e deixavam os pobres cada vez mais miseráveis?
15 anos não representam tanto tempo assim e não são suficientes para apagar das memórias as altas temperaturas da crise permanente instaurada no país por tantos anos.
O Plano Real devolveu ao Brasil a dignidade de um sistema no qual a população enfim pode confiar. Graças a ele o país tem crescido e registra uma estabilidade que muitos querem definitiva. Não se trata da maioridade econômica, os desníveis sociais estão longe de ser resolvidos, mas vai-se indo. Então é hora de lembrar aos homens que governam o país a história do progresso e do dinheiro que eles têm em mãos para que não atuem como certos filhos de rico, os que jogam com fortunas tantas vezes conquistadas com o suor e sofrimento de tanta gente.