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Inocentes pagam a conta
O mundo se revolve em disputas que, assim parece, nunca terão fim. Com o passar do tempo a paz torna-se uma miragem impossível de ser alcançada. O ódio move seres humanos embrutecidos cuja única intenção é provocar a morte de seus semelhantes.
As palavras escritas acima podem ser verdadeiras, mas ter consciência sobre o significado delas em nada melhora a vida de ninguém. Boas intenções não mudam o mundo, atos bem intencionados talvez. Talvez por isso eu tenha dado razão hoje ao meu vizinho do quarto andar com quem me encontrei no elevador. Como se sabe ele é um sujeito circunspecto e de opiniões muito definidas, embora às vezes ultrapassadas. Pode-se até mesmo dizer que o meu vizinho é um cidadão meio fora de época. Para ele prevalecem valores hoje em dia relegados ao segundo plano, aliás, infelizmente. De todo modo é sempre um prazer ouvir a esse homem cujo modo de ser faz-nos lembrar das boas e tranquilas conversas de que nos dávamos o desfrute em tempos passados quando não éramos obrigados a essa correria idiota de nosso dia-a-dia.
O meu vizinho me disse com ar grave que de jeito nenhum queria ser norte-americano. Ao ouvir isso ponderei que nos EUA o cidadão pode ter acesso a bens e liberdades não disponíveis em muitos outros lugares. Ao ouvir isso ele me interrompeu:
- Pois repito que de jeito nenhum eu queria ser um norte-americano. A começar pelo envolvimento daquele país nas disputas internacionais. Esse tipo de liderança pode até dar ao cidadão norte-americano uma ideia de supremacia diante do mundo, inclusive certo desprezo por povos menos favorecidos. Também é muito útil para o capitalismo norte-americano que não só invade como contamina culturas alheias que melhor seriam se permanecessem intocadas. Mas, e quanto às reações que essa hegemonia desperta? Que dizer do ódio invencível nutrido por inimigos dos EUA que, caso pudessem, destruiriam tudo o que estivesse ao alcance de seus ataques? Não está isso implícito nos atentados às Torres Gêmeas destruídas por terroristas em 2001?
Tentei argumentar que é impossível exercer liderança ou desistir dela, sem fazer inimigos. Existe sempre um perdedor a contrabalancear negativamente um ganhador. Na divisão de um bolo sempre caberá a alguém a menor ou pior parte e contra isso pouco ou nada pode-se fazer. O meu vizinho me interrompeu mais uma vez:
- Pois é nisso mesmo que me fio ao dizer que não seria um norte-americano ainda que me dessem de graça a cidadania daquele país. Você viu os atentados cometidos no último domingo na maratona de Boston? Então me diga que tipo de sociedade maravilhosa é essa que vive às turras com a ameaça de ataques terroristas. Não é verdade que basta um simples aceno para que o país entre em prontidão e a segurança seja reforçada, apesar de nada disso ser suficiente para tranquilizar as pessoas?
O meu vizinho do quarto andar nunca me confessou sua inclinação política, nem sua preferência pela esquerda ou direita, embora eu o tenha como mais chegado às ideias de direita. Em todo caso tenho que concordar com ele em suas observações sobre o papel hegemônico dos EUA e suas consequências. Todo mundo sabe que apesar dos esforços e gastos astronômicos com segurança o governo norte-americano jamais conseguirá conter a repetição de atos terroristas contra o seu país.
Mas, razão total não posso dar aos argumentos de meu vizinho, não a ponto de dizer que me negaria a receber a cidadania dos EUA caso me fosse gratuitamente oferecida. Mas, fico com ele ao pensar nas pessoas que nada têm a ver com a política externa de seu país e de repente se veem atingidas por explosões que roubam vidas e mutilam pessoas. No fim de tudo quem acaba pagando a conta são pessoas inocentes que nem mesmo saberiam explicar direito porque o azar as teria colocado no local de um ato terrorista justamente no momento em que foi perpetrado.
Pelo que fico pensando nos preparativos brasileiros para os grandes eventos internacionais que se realizarão aqui brevemente. Todo o cuidado será pouco em relação à segurança para que não sejamos surpreendidos por acontecimentos trágicos como o ocorrido na maratona de Boston.
E o Iraque?
Os Estados Unidos (EUA) estão saindo definitivamente do Iraque após quase nove anos de invasão. O saldo da Guerra do Iraque é terrível: cerca de 120 mil mortos e enorme destruição do país. Em moeda os EUA gastaram 800 bilhões de dólares que economistas ajustam para 3 trilhões.
Os EUA invadiram o Iraque durante o governo do presidente norte-americano George W. Bush para colocar fim à produção de armas nucleares pelo governo iraquiano. Aconteceu que os soldados norte-americanos devassaram o território do Iraque e não encontraram vestígios da produção que serviu como justificativa para a invasão. Na época o povo norte-americano, enganado pelas notícias de produção de armas, apoiou a invasão; hoje em dia grande parte daqueles que foram favoráveis à Guerra do Iraque a repudiam.
Mas, ontem os soldados dos EUA recolheram a bandeira de seu país numa base área do Iraque. Bandeira retirada, ocupação encerrada e, apesar da perda de 20 mil vidas norte-americanas no Iraque, chegou a hora de voltar para casa. O Iraque? Ora, a ver como as coisas se ajustarão por lá dadas as correntes que querem dominar o país. O mais difícil é se acreditar que possa se estabelecer a democracia no país em curto prazo.
Os EUA, até agora a nação mais forte do mundo, sempre se impuseram a missão de vigiar o mundo para que as coisas sigam bem, ou seja, em acordo com os interesses norte-americanos. Proprietários de grande riqueza e apoiados no dólar os EUA dominaram o planeta na maior parte do século XX e início do XXI. Agora a pujança dos EUA parece não ser tão forte, embora permaneça. O atual presidente dos EUA, Barak Obama, enfrenta problemas internos que não consegue resolver e é de se pensar como um país que atravessa dificuldades econômicas – embora a sua riqueza – pode gastar tanto dinheiro em guerras externas como a ocorrida no Iraque.
A verdade é que a Guerra do Iraque foi um erro que custou aos norte-americanos vidas e muito dinheiro. Talvez dela mais nos lembremos da mentira utilizada para deflagrá-la, do episódio de Abu Graib e das cenas da execução de Saddam Husseim. No mais é preciso ver como os historiadores do futuro, livres das impressões de momento, tratarão desse assunto. Aos espectadores de hoje a foto da bandeira norte-americana sendo enrolada pelos soldados funciona como um alívio. Quem sabe a partir de agora o povo iraquiano possa encontrar um caminho mais leve de sobrevivência após anos da ditadura de Husseim e da terrível invasão norte-americana.
Gaddafi morto
Enfim uma longa fase do conflito que acontece na Líbia termina: Muammar Gaddafi está morto, capturado que foi pelos rebeldes. Seria temerário falar em fim do conflito porque, após décadas de ditadura, o país inevitavelmente passará por uma série de ajustes durante os quais não se poderá descartar derramamento de sangue.
A natureza da longa ditadura de Gaddafi na Líbia é conhecida, sendo desnecessário rememorá-la. O que mais chama a atenção no momento é esse capitulo final da longa história de dominação de um líder que se tornou conhecido pela sua imprevisibilidade. De fato, nas últimas décadas Gaddafi povoou o imaginário do ocidente com atitudes de extrema arrogância e periculosidade. Durante seu governo esmagou o povo líbio e fez questão de mostrar-se ao mundo como alguém de poder imenso e que tudo pode, desafiando instituições internacionais e colocando-se à margem das regras de convívio entre as nações. Foi assim que se cercou com a aura de rebelde incontrolável, tantas vezes sendo considerado como uma espécie de louco extravagante, mas sempre impossível de ser ignorado.
Hoje Gaddafi foi finalmente alcançado pelos rebeldes e morto. Um vídeo que corre na internet mostra o ditador nos momentos finais de sua vida. Ainda vivo é sustentado por rebeldes; depois de morto a todo instante as pessoas que o cercam movimentam o corpo, deixando-o ora de bruços, ora de barriga para cima. Um close no rosto mostra um homem envelhecido. Nada nesse rosto sugere o temível ditador, levando-nos a pensar que a morte iguala os homens na inércia, desmitificando-os.
Não importa de quem se trate, é assim que acontece. No fim das contas um homem que fez e desfez, aquele que por décadas frequentou os noticiários em todo o mundo, esse homem jaz sem vida no chão e tem o seu corpo manipulado por gente desconhecida de seu próprio povo. Nada da grandeza anterior, nada que evoque o poder perdido. O mito se desfaz na velocidade em o homem deixa de ser e se transforma na massa inerte que em breve há de se decompor.
Fica, entretanto, a dor, a longa história de opressão, a esperança de que mais que depressa tudo se torne passado e uma era de paz se inaugure para o povo líbio.
A visita de Ahmadinejad
Está para chegar ao Brasil, a convite do governo, o presidente do Irã. Ahmadinejad não tem, como se diz por aí, uma ficha boa: o homem comanda um país que vive às turras com a ONU em função de suas pesquisas direcionadas a tornar-se potência nuclear. As advertências da ONU e ameaças de retaliações por parte de outros países até o momento não têm abalado o governo iraniano que continua muito firme em seus propósitos.
Agora Ahmadinejad vem aí. Como sempre os brasileiros entregam-se aos seus afazeres e não estão dando muita bola para o assunto. Existem, sim, alguns projetos de protestos como a organização de uma exposição sobre o Holocausto no Congresso. Há, também, uma movimentação da comunidade judaica que se apressa em condenar o governo brasileiro por receber um homem que reconhecidamente pretende tirar Israel do mapa.
Entretanto, o maior problema em relação à visita do presidente iraniano é externo. Não nos damos muito conta disso, mas a verdade é que peritos em política internacional vislumbram, já há algum tempo, planos de ação iranianos para a região sul-americana. O fato é preocupante ainda mais se considerando as ligações entre Cháves e Ahmadinejad. Dadas as tantas vezes inexplicáveis ligações entre Chaves e Lula não será demais ponderar sobre a influência do presidente venezuelano em relação à visita de Ahmadinejad ao Brasil.
O Brasil está dando um passo que é reprovado por vários países, principalmente os seus vizinhos, fato que poderá acarretar prejuízos ao país em relação à pretensão de efetivamente liderar a região.
Evidentemente, as vozes mais altas que se opõe à visita de Ahmadinejad são as de descendentes israelistas. Em particular a grande colônia israelita da Argentina vem protestando por ter em Ahmadinejad o responsável pelos atentados terroristas contra a Embaixada de Israel, em Buenos Aires, anos atrás. Além disso, não se perdoa ao presidente iraniano o fato de negar a existência do Holocausto e ter nomeado ministro de seu governo uma pessoa procurada pela justiça argentina.
Não só na Argentina há protestos: o mesmo acontece no Perú, no Equador e em outros países.
A pergunta é: em se tratando da relação custo/benefício o que lucra o Brasil com a visita de Ahmadinejad? É bom ter em mente o projeto de liderança natural do Brasil na região e as dificuldades vivenciadas pelo Mercosul.
Até agora o governo não explicitou com clareza as vantagens comerciais que obterá tratando diretamente com o presidente iraniano. Note-se que não se está falando do Irã, mas de seu atual presidente que corre por fora na questão nuclear e, segundo se diz, estimula o ódio racial.
Por fim é preciso prestar atenção ao que se diz por aí: onde Ahmadinejad vai, lá vai encrenca.