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Sinais estranhos
Há quem acredite em acontecimentos menores que prenunciam desastres maiores. Você pode não dar valor a fatos tomados como simples coincidências. Um sujeito chega ao aeroporto e perde o voo de um avião que cai minutos depois e sai ileso de acidente de carro no qual pessoas morrem. Obra do acaso? Sorte? Muita gente acredita que não. Para esses o sujeito já gastou a sua cota de benefícios nesse mundo e o que tem a fazer a partir de agora é cercar-se de cuidados porque o pior ronda a sua vida e desgraças podem acontecer.
Será? Pois ouvi na sala de espera de um consultório médico conversa entre duas mulheres que deu o que pensar. Falavam elas sobre a crescente onda de homicídios e outros crimes em São Paulo, a execução de policiais atacados pela bandidagem, a insegurança geral, o mensalão, enfim a estonteante marcha de acontecimentos negativos que estão a indicar crise maior se aproximando. Lembrava uma delas a perda de controle das autoridades sobre o crime, os desmandos e a tendência generalizada para o salve-se quem puder. Com o que concordou a outra, dizendo que já não existe solidariedade, agora é cada um por si, o jeito é trancar-se bem em casa e rezar para que nada de horrível aconteça.
Ia assim a conversa quando uma das mulheres, aparentemente mais velha, falou sobre o furacão Sandy que acaba de devastar New Jersey e causou estragos enormes em New York. Segundo ela as reações da natureza nos últimos tempos não passam de sinais para advertir o homem sobre a sua pequenez e impossibilidade de impedir a ocorrência de eventos provocados por forças incontroláveis. Não há poder ou riqueza que possam se opor a tragédias como a acontecida dias trás nos EUA. Daí que só resta ao grande país do norte consertar estragos cujo custo estima-se superior a 50 bilhões de dólares.
Foi nesse momento que a outra mulher acrescentou que, na verdade, o significado da passagem do Sandy é ainda maior: trata-se de um prenúncio do grande cataclismo esperado para o mês de dezembro, qual seja o fim do mundo previsto no calendário maia. Perguntou ela se a outra não reparara em certa regularidade de grandes acontecimentos como terremotos, atividades vulcânicas, deslocamento de placas tectônicas, tsunamis, acidentes nucleares e outras tragédias que têm se somado nos últimos tempos. Para a mulher outra explicação para tantas desgraças só pode ser a proximidade do fim dos tempos, fato que está para acontecer em breve.
Não acredito em sinais. Minha mãe sabia com alguma antecedência e através do que identificava como avisos se algum conhecido morreria. Lembro-me de que certa ocasião uma lâmpada, que não estava acesa, piscou algumas vezes durante o dia e minha mãe disse que com certeza alguém próximo teria morrido. Não muito tempo depois, no mesmo dia, fomos avisados sobre o falecimento de um parente. Sinal? Aviso? Coincidência?
De todo modo o melhor é que passe logo o dia 21 de dezembro, data prevista para o fim do mundo. Sei que você não está preocupado com isso, não? Claro, isso tudo é bobagem. Mas, e se ….?
Chefe de seção
Rapaz magro, braços de lutador de UFC. Cabeça pequena, cabelo rente penteado na direção do topete levantado. Irritadiço, brigando com a impressora que não funciona. Tapa aqui, empurrão ali, ajuste dos fios, paciência acabada ele liga para o cara do período da manhã e pergunta quem fez aquilo, quem largou a desgraça na mão dele, agora que tem que imprimir e tem gente esperando.
Fora da sala, braços sobre o balcão, gente esperando. Finalmente ele troca a Samsung por uma matricial, consegue imprimir e logo sai da sala um sujeito de maus bofes, levando a papaleda. Chega a nossa vez.
Ele está bravo, mas é educado com a gente. Desculpa-se culpando o serviço, o descaso do funcionário da manhã com o equipamento. Explica que entra às duas da tarde e fica até a noite no serviço. Enquanto prepara o nosso papel fala sobre a sua vida. Está ali há dez anos, começou após ser aprovado em concurso: ficou entre os dez primeiros, concorrendo com mais de oito mil. Prova de que não é burro, tem talento - acrescenta. E não pretende ficar ali a vida toda, ainda mais para receber a merreca que ganha por mês. Não gosta de ver o balcão lotado, com gente esperando, mas que fazer se tudo é com ele, se tem que resolver e, pior, as coisas não funcionam?
Fala a si mesmo, não quer nossas opiniões. Repete que está ali, mas dez anos foram demais. Olhe que um tio ficou sem falar com ele três meses quando soube que tinha passado no concurso. O tio sentenciara: aquilo não era vida, não era bom, ainda mais para alguém inteligente como ele. O maldito velho tinha razão.
Impressos os papéis o rapaz expõe sua filosofia. Diz que a vida dá muitos avisos os quais ignoramos. É preciso cuidado em relação às mensagens que recebemos da vida porque podem significar que algo pior está para acontecer. Disso ele sabe muito bem porque recebe gente de todo tipo, acompanha o que acontece com as pessoas nesse vai-e-vem do dia-a-dia.
Despede-se com elegância. Abre a porta e ainda uma vez recomenda que leiamos os papéis com cuidado para entender o aviso que está escrito neles.
Na rua, dirigindo o carro, penso no chefe de seção e suas certezas. Sairá ele algum dia de lá?