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A lógica de um crime
O mundo tem regras e é bom que as tenha para que possamos viver achando que estamos seguros. Você para no sinal vermelho, obedecendo a um código aceito por consenso graças ao qual o trânsito flui sem que o seu carro se choque com outros. Isso representa que estamos em acordo com determinados princípios que proporcionam a vida em sociedade. O respeito às normas garante-nos a sensação de segurança e espera-se que cada pessoa faça a sua parte na grande engrenagem do mundo, permitindo que as coisas funcionem a contento.
O parágrafo anterior ilustra o que deve se passar na cabeça de cada cidadão para quem as regras de convívio são válidas e pertinentes. Aí você liga a televisão e vê imagens gravadas por câmera de rua nas quais um homem desfere seguidas facadas num rapaz. Quando rapaz está no chão e já não reage o agressor se afasta, dando a impressão de que vai fugir do lugar onde cometeu o crime. Entretanto, depois de dar alguns passos, o agressor se volta e retorna ao corpo estendido no asfalto. Então começa a pular e chutar a cabeça do rapaz que a essa altura já deve estar morto. Depois disso, o agressor sai do campo visual da gravação e desparece, deixando, apenas, o rapaz morto no meio-fio.
Passados dois meses o agressor é encontrado e preso numa cidade diferente daquela em que cometeu o crime. A polícia divulga que o agressor já esteve preso por crime praticado anteriormente e está na rua por benefício da lei que permitiu a ele gozar de liberdade antes de cumprir o prazo estipulado na pena que recebeu.
Num programa de TV o agressor aparece na cadeia e fica-se sabendo que se trata de um rapaz de pouco mais de 20 anos de idade cuja justificativa é ter matado porque sua vítima teria falado mal dele. A notícia sobre a tragédia termina nesse ponto.
Depois que desligo a TV a imagem do agressor, retornando para chutar a cabeça do rapaz não sai da minha cabeça. Ele agride ao rapaz já sem defesa como um animal que vibra por ter dominado e matado a sua vítima. Há na ação do agressor algo de animalidade que sobressai a qualquer vestígio de sentimento humano. A cena de agressão mostra um homem que assume a condição de besta. Nenhuma regra, nenhuma lei pode detê-lo nesse momento de conquista animalesca no qual a ferocidade estravava-se num misto de sublimação e supremacia.
Para o criminoso a morte daquele que o ofendeu adquire a lógica de vingança e conquista. Ele supera ao seu inimigo como se participasse de batalha onde a apenas um dos contendores seja permitido viver. Não importa a ele se ofende as regras de convívio que aceitamos e adotamos. Acima delas está a ferocidade exacerbada e incontrolável, dir-se-ia inumana.