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O primeiro salário
Leio sobre a tentação de queimar o primeiro salário. Grana no bolso a pessoa mal vê a hora da saída do emprego. Lá fora um mundo repleto de coisas a consumir a espera. O bolso cheio hora de experimentar, pela primeira vez, a sensação de poder comandada pelo dinheiro. Não importa se o dinheiro recebido é suficiente para aplacar os desejos. O que vale é a sensação de fazer parte de um mundo de consumo até ontem talvez inacessível.
Não foi o meu primeiro emprego mas, pela primeira vez, recebia um salário mais substancial. Àquela altura da vida pesavam-me os baixos ganhos, insuficientes para fazer frente às contas do mês. Dívidas de pequena monta acumulavam-se, sem solução. De modo que aquele novo primeiro salário significaria a redenção, mudança de patamar.
No dia de receber compareci à sala da empresa na qual se faziam os pagamentos e sai de lá com o belo cheque do primeiro salário. Estava feliz da vida, louco par retornar à casa e festejar.
Entretanto, como se diz, alegria de pobre dura pouco. Não saíra ainda do prédio quando recebi o recado de que o diretor da empresa queria me falar. Era o cara que me contratara, aquele que apostara em mim, selecionando-me em meio a uma penca de candidatos.
Depressa tomei elevador e logo estava na sala do diretor na qual fora introduzido por uma bonita recepcionista. Sentei-me diante da mesa de trabalho e, minutos depois, chegou o homem, muito sorridente e amigável. Falou-me sobre a satisfação com o meu desempenho e o acerto da minha contratação. Contou-me de sua pressão na reunião com os patrões para que justamente eu recebesse o emprego.
Até ai tudo bem. Cheque na carteira, elogios do diretor, como o mundo era bom. Entretanto, o amigável diretor não me chamara só para elogios. De repente, eis que me disse que, em verdade, me chamara porque necessitava, com urgência de um empréstimo. O valor? Ora, exatamente o do cheque que eu acabara de receber. Passaria a ele o cheque que me devolveria em exatamente um mês.
Atônito, não soube o que dizer. Precisava, desesperadamente, do emprego cuja continuidade dependia justamente daquele sujeito. Outra atitude não tive que passar-lhe o cheque e ir para casa desolado.
Mas, o diretor honrou sua promessa. No mês seguinte devolveu-me o dinheiro e nos anos que se seguiram mantivemos muito bom relacionamento.
Se bem me lembro estive ligado àquela empresa por 10 anos. Depois que sai não mais ouvi falar sobre o diretor. Até recentemente. Pouco tempo atrás encontrei-me, por acaso, com um antigo funcionário daquela empresa. Através dele fiquei sabendo do destino de muita gente que trabalhara comigo naquela época. A certa altura lembrei-me de perguntar sobre o diretor. Relatou-me o antigo funcionário que tempos depois da minha saída se soube que o diretor sempre fora viciado em jogo. Participava ele de mesas de jogos com apostos altíssimas. Acabou quebrando. Foi despedido e desapareceu.
Essa revelação teve o condão de ressuscitar em mim a antiga dor. Então aquele empréstimo, tão dolorido, fora feito para que o diretor saldasse alguma dívida de jogo. Retornei ao rapaz que fui e à minha viagem num ônibus circular, de volta para casa. Era noite e seguia eu torturado por não saber como pagaria o aluguel e as contas de minha família. E não ajudara a um amigo necessitado de um empréstimo. Sofrera para que ele pagasse dívida de jogo.