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Na velhice
A Rede Globo demite alguns ícones de sua programação. Estão velhos. Ganham muito e a muito não participam de produções. Os fãs reagem. Surge a pergunta: no lugar de um sessentão contratarão duas pessoas de trinta?
Fato é que a paisagem vai mudando. Novas caras nas telinhas e no mundo. O lugar reservado aos velhos só encolhe. Velho é velho, ainda mais com suas chatices.
Nos comentários que surgem as opiniões são expressas por pessoas mais jovens sobre os velhos. O cronista que escreve sobre as choradas demissões de Tarcísio Meira e Glória Menezes certamente tem menos idade que eles. Trata-se do presente, olhando para o passado.
Mas, e quanto ao que acham e sentem os velhos? Que acham e sentem eles sobre a paulatina exclusão da qual não podem escapar? Pode não ser regra geral, mas paira certo ar de aceitação, senão conformismo. A velhice é um gigante contra o qual faltam aos velhos forças reais para combater. Verdade que existem fases. A tinta no cabelo, os exercícios, cuidados com a saúde etc., tudo isso contribui para a manutenção da jovialidade que dia-a-dia escapa. Até quando as forças decaem irreversivelmente: é o fim.
Para quem chegou até aqui, na velhice, muitas coisas são claras e inegáveis. De fato, não há como negar que essa máquina, o tal do organismo, não foi feita para durar para sempre. Assim, o declínio é inevitável. Para cada ser humano o declínio assume características em acordo com sua complexão física e possíveis cuidados tomados ao longo da vida. Fumou, não fumou, bebeu, não bebeu, doenças anteriores etc. Não é tão simples assim, mas passa por isso.
Entretanto, o grande problema é “estar na velhice’. Sentir-se incorporado ao batalhão de reservistas que, não muito adiante, deixarão esse mundo. Perceber no próprio corpo mudanças irreversíveis contra as quais pouco se pode fazer. Enfim, “ser velho”.
Nisso se pensa toda vez que as pernas doem e fraquejam, quando a respiração se torna mais ofegante, a cada visita ao médico que nos prescreve a lista de medicamentos sem os quais já não se pode viver.
Mas, apesar disso tudo, a ideia não é converter a velhice em período sempre depressivo. Há que se manter a flegma. Sobreviver. O segredo é não desistir. Nunca. Não custa nada ter sempre em mente coisas boas da vida, mesmo quando já não se possa desfrutá-las integralmente.
Depressão
Amigo confessa depressão. De tempos para cá a vida parece a ele ter perdido o sentido. Pequenos problemas o estafam demais. Os grandes, então…
Não tem vontade de sair de casa. Passa horas mirando o vazio. E os parentes o aborrecem. Essa turma tem problemas que não resolvem e jogam tudo pra cima da gente. Você passa dos 70 e a turma parece não se dar conta disso. Encaram a gente como se ainda tivéssemos 30, expostos ao de der e vier. Simplesmente não é mais assim, mas não acreditam.
Isso sem falar nas dificuldades para vestir meias e amarrar sapatos. Abaixar é um problema. E a próstata. Ah, a próstata! Fazer xixi aos trancos é demais. Cadê o velho e bom jato que jogávamos na privada sem dó? Agora essa dificuldade.
Sem falar nos desacertos da saúde. De tempos para é um tal de repetir exames para controle do estado geral. O diabetes apareceu há alguns anos, mas, volta e meia, a glicemia chega perto dos 300…
A dor nas costas nem é novidade. Ela já vem de longe, mais discreta que agora, é verdade. Mas, tem piorado. Dor nas juntas. E a falta de sono? Andar de madrugada pela casa às escuras. Cismar que das sombras os mortos o espreitam. Não é que já tentou falar com um deles, esperando que, lá do outro lado, responda ao contato.
O amigo afirma, categoricamente, não ter medo da morte. Quando vier será benvinda para pôr fim a essa agonia.
Está tomando antidepressivos e calmantes, esses para dormir. Se não toma não dorme. Quando toma ferra no sono. Profundamente. Mas, a mulher reclama porque ele ronca. Não roncava antes, agora é por causa do remédio.
Reparo que o amigo está lento. Move-se devagar, passos arrastados. Voz rouquenha, fala mansa. Do que mais reclama é da queda na parte sexual. De tempos para cá nem com Viagra. Ah, o sexo.
Não é o homem que conheci. Não faz muito era um sujeito ágil, bem-falante, alegrão, contador de casos. Mulherengo. Sempre com mais uma conquista a relatar. Desses. Mas, a vida não perdoa. Ele sabe que acaba de entrar no funil que conduz para o depois. O que será esse depois é mistério reservado a todos humanos que trafegam em direção ao fim.
A vida se torna incerta quando se encara o fato de que nada se sabe sobre o amanhã.
Ser idoso
É coisa que não se escolhe: de repente você tornou-se idoso. Não importa se discorda, se ainda briga com a sua imagem no espelho, procurando sinais da juventude perdida. Virou idoso e nada pode mudar isso.
Antes de tudo é preciso dizer: idoso é condição. Uma vez dentro dela suas opções se restringem. Se, por exemplo, não cuidou da sobrevivência na velhice, babau. Emprego não vai arrumar aos 70 anos. Velho é velho. Como tomar lugar de gente jovem, cheia de força e vontade? E olhe que pouco se dá à experiência.
Você bem que pode atenuar os predicados negativos da velhice. Exercitar-se é uma boa. Manter a forma, cuidar da pele, mandar uma tinta nos cabelos. Se não fumou ou bebeu demais, se não passou os últimos 40 anos na base do fast-food, se evitou gorduras trans, se faz toque retal anualmente, se não há herança de câncer na família, etc, até que você é um velhote bem razoável, de boa saúde, digamos interessante.
Mas, não se engane. Nesta vida dribla-se quase tudo, menos a velhice. É bom lembrar-se sempre disso. Quer ver? Pois se o destino colocar você, no assento do avião, ao lado daquela moça muito bonita e de corpo desejável, se ela conversar com você, tenha na cabeça que você já não é aquele rapaz que a convidaria a sair para um encontro. Numa dessas você pode levar um tremendo fora, coisa certamente muito chata, a não ser que você seja um formidável cara-de-pau.
Que nos perdoem os que apregoam os benefícios da tal “melhor idade”. Trata-se de uma farsa para garantir a sanidade de muita gente. Não há nada de melhor na velhice. Perde-se muito, ganha-se pouco. Tá bom, você passa a ser alguém com direito a atendimento preferencial. Há um caixa para idosos e gestantes nos mercados, por exemplo. Mas, já reparou que a fila nesses caixas parece que não anda? Por que os velhos se põem a contar a vida para a mocinha do caixa, desesperando as pessoas que aguardam a vez? Pois é.
Mas, nem tudo é ruim na velhice. Para começar existem os netos, figurinhas apaixonantes que, em geral, dão mais trabalho aos pais que aos avós - graças a Deus. Como se ama a essas extensões de nós mesmos que simulam a garantia de continuidade de nossa passagem pelo planeta. Além do que não é preciso recolher-se porque a velhice chegou. Há muita coisa prazerosa a se fazer. Claro, as coisas podem se complicar com o passar do tempo. O Alzheimer espreita os velhos. Mas, a vida continua, não?
Não se dá conselho a idosos porque tudo que não querem é ouvir sobre coisas que já sabem. Entretanto, vale a pena lembrar que o melhor a fazer é viver um dia da cada vez, aproveitando-o ao máximo. Cada momento que se tem pela frente simula uma graça recebida. De minha parte pretendo sair do mundo de modo diferente daquele em que entrei:
Cheguei chorando, quero sair rindo.
A vida é boa!
O Dia do Idoso
Ontem, 01/10, foi comemorado o “Dia Internacional do Idoso”. Comemorado talvez seja palavra inadequada porque, que se saiba, não se realizaram festas ou homenagens a idosos no país.
Para muita gente parece existir alguma dificuldade em aceitar-se como idoso. A migração para esse contingente de pessoas tantas vezes consideradas inúteis porque já não produzem não se faz sem luta. Mas, afinal, a partir de que momento da vida uma pessoa passa a ser considerada idosa? A idade de 60 anos tem sido tomada como divisor de águas entre a vida adulta e a velhice. Ontem mesmo divulgou-se que a cidade gaúcha de Coqueiro Baixo, situada a 161 km de Porto Alegre, é a mais velha do país isso porque no município mais de 30% das pessoas têm 60 anos ou mais.
O fato é que com os novos recursos da medicina e a melhora da qualidade de vida a população de idosos no país está crescendo. Entretanto, os cuidados com os idosos nem de longe acompanham a velocidade de crescimento de seu número. Na verdade o que se pode facilmente observar é que, no geral, inexistem não só cuidados como paciência com idosos talvez por falta de educação para isso. Basta uma viagem de metrô para que se observe o descaso em relação aos idosos: pessoas de mais idade viajam em pé enquanto os assentos reservados a elas estão ocupados por pessoas mais jovens que nem estão aí para a situação.
O envelhecimento pode ser visto pelo ângulo do próprio idoso e pelo juízo que outras pessoas fazem dele. O ponto de vista da maioria das pessoas que ultrapassaram os 60 anos de idade nem sempre é benigno consigo mesmo. As perdas progressivas de força, mobilidade e o fato de cada vez mais se tornarem dependentes funciona como desafio para a adaptação num mundo do qual o idoso parece não fazer parte. Todo mundo tem ou teve na família alguma pessoa inconformada com a velhice e sabe bem das dificuldades de convívio com ela. Por outro lado, visto de fora, o idoso muitas vezes figura um peso a se levar e isso o constrange. Pessoas muito ativas no passado de repente são aposentadas, podem tornar-se fisicamente dependentes e essa situação gera problemas para si e para os outros.
O que deve sempre ser lembrado é que os jovens de hoje serão os idosos de amanhã daí a importância do dar hoje para mais tarde vir a receber. Não se trata de uma simples troca, mas de prática de humanidade.
Mas, nem tudo é problemático: um respeitável contingente de idosos vive muito bem, mantém-se ativo e utiliza com sabedoria a experiência adquirida. Essas pessoas entendem o fim da vida como período a ser desfrutado da melhor maneira possível e são felizes. Resta estender cada vez mais esse bem viver aos idosos em geral, cuidando para que mesmo pessoas de baixa renda possam ter uma velhice respeitável e digna.