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O mal do tempo
O tempo passa, o tempo voa… Sites de internet adoram publicar fotos de pessoas conhecidas dentro do quadro “antes e depois”. Atriz famosa de tal filme era assim, clique aqui e veja como ela está agora. Seguem-se, para quem clica, várias fotos das personalidades, antes e depois. O problema é que passados os anos pessoas que ainda se apresentem bem não se compararam aos aspectos que tinham na mocidade. Daí que se trata de mau gosto a exposição do envelhecimento de gente cuja beleza na mocidade foi, inevitavelmente, afetada pelo tempo. Afinal por que comparar a magnífica Sofia Loren, hoje aos 83 anos de idade, com o que foi em sua juventude? Dela prefiro guardar suas inesquecíveis imagens nos vários filmes em que atuou. Sofia Loren sempre será aquela mulher lindíssima que vimos nas telas.
A história do sujeito que embarca num navio e recebe o telefonema de antigo affaire é emblemática. Mal entrado na cabine ouve, pelo telefone, a voz da bela com quem manteve caso no passado. Feliz pela coincidência de atravessarem o mar juntos ele marca encontro com ela no jantar. Entretanto, a mulher que comparece ao encontro já não é a mesma de outrora. Aliás nem ele que parece não se dar conta disso e conta o caso de modo desairoso em relação à mulher.
Esportistas enfrentam situações difíceis no encerramento de suas carreiras. Sites de internet, como sempre, não perdoam. Entre nós é comum que se vejam jogadores, na faixa dos 35 anos de idade, serem expostos por não encontrarem clubes que os contratem. Até mesmo atletas de renome, ídolos de torcidas, são submetidos à exposição pública por não encontrarem onde jogar. Destarte é mesmo difícil a decisão de quando parar. Não raramente acontece de grandes jogadores terem fim melancólico de carreira, atuando em agremiações que militam em divisões inferiores.
Certa ocasião fui assistir a um jogo de equipes da segunda divisão em cidade do interior. Era o final dos anos cinquenta do século passado. Na equipe visitante atuava um atacante, ninguém menos que o famoso Baltazar. Ora, o Baltazar cuja alcunha era “Cabecinha de Ouro”. Baltazar atuara no Corinthians ao tempo em que na extrema direita jogava Cláudio que lançava bolas na área adversária, na medida exata para que o “cabecinha” fizesse seus gols de cabeça. Mas, ali, naquele jogo a que assisti, Baltazar não passava de pálida imagem do que fora.
O envelhecimento é exposto na mídia como desvantagem. Que se deixe aos que envelhecem a análise de suas condições as quais, necessariamente, não precisam ser expostas.
Casa de repouso
Daqueles remédios que se dá para corvo que parou de voar. É um desses que me receitaram e estou tomando.
Assim, assim. Com mais de 80 anos recolheu-se a uma casa para velhos - abrigo de pré-falecidos, diz ele sorrindo. Conta ter aprendido a zombar da morte ainda rapaz. Estava na boleia de um caminhão que caiu da ponte e afundou num rio. Ele não sabia nadar. Mas, não é que justamente ali, no meio da água, ia navegando um pedaço de tronco de árvore? Pois. Agarrou-se à madeira salvadora e esperou pelo socorro que, ao que se lembre, não demorou tanto. Foi por isso que, depois do acidente, aprendeu a nadar.
Nado como um peixe - completa.
De muitas coisas já não se lembra. Vive se esquecendo de coisas do dia-a-dia. O passado vai e vem na memória, de muitos fatos faltando pedaços. Avisa que suas histórias podem ter interrupções, dai que pula de uma coisa a outra bem mais adiante porque o do meio, o entre as duas coisas, apagou-se na cabeça. Coisa de velho, completa.
Veio para o abrigo por decisão própria. A mulher morrera há algum tempo. Os filhos não queriam deixa-lo se mudar, de jeito nenhum. Mas, fez pé firme. Vida afora sempre foi sujeito de opinião forte. Veio porque quis, ninguém pode impedi-lo.
Não fala sobre os velhos do lugar. Não reclama da vida que diz ter sido muito boa. Passa os dias olhando para um pequeno lago. Contando marrecos. Tem hora que marreco parece gente. Ou gente é que parece marreco, diz.
É meu tio. Deixo-o na espreguiçadeira e sigo pelo corredor. Uma fileira de portas entreabertas, revelando quartos com velhos deitados ou sentados. Silêncio. Ouço apenas os meus passos num som que ali me parece ensurdecedor.
Na sala do médico. É um rapaz simpático, quase bonito. Informa que meu tio melhora da depressão. Já engole as cápsulas que antes cuspia. De tempos para cá voltou a comer bem. Se quisesse poderia voltar para casa. Mas, não quer. Que fazer se o homem simplesmente não quer ir embora?
No trânsito, dirigindo, penso em escolhas. Meu tio deu-se bem na vida, ganhou bom dinheiro no mundo dos negócios. De repente bateu nele o desânimo. Parece ter se cansado do mundo, quem sabe da v ida. Então escolheu o isolamento na casa de repouso. Ali passa os dias, esperando.
O sentido da vida
Assisti pela TV à palestra de um filósofo. A certa altura ele disse que muita gente se pergunta sobre o sentido da vida. Para muitas pessoas não há sentido numa vida que se passa num planeta pequeno, quase nada mais que um grão de poeira dentro da imensidão do Cosmos. Além disso, como ver sentido numa vida de tão curta duração?
A partir daí o filósofo pergunta se o sentido estaria em habitar um planeta enorme e ter uma vida mais longa. Conclui que não. Explica que para ele a vida ganha sentido diante de um sorriso do filho ou quando reencontra a mulher após dias ausente de casa.
Não há como não se perguntar sobre o sentido da vida quando se chega à velhice. A constatação de que a trajetória anterior vivida quase nada significa diante da proximidade do fim abala as certezas que temos a respeito de quase tudo. A ação do envelhecimento sobre o corpo que se torna passível de crescentes limitações torna-se angustiante quando se chega ao terço final da vida.
Mas, a vida é assim e nisso se resume toda a sua beleza. Realmente a eternidade não nos conviria, pelo menos dentro do sistema de vida que conhecemos. Seria cansativo demais, desestimulante até, saber-se que a vida poderia durar duzentos anos, por exemplo. Afinal, o que teríamos a fazer no segundo século de existência quando já não teríamos a força da juventude?
A vida é um fenômeno fantástico inventado por um cérebro genial, seja ele Deus ou não. No mundo em que vivemos e com o organismo que temos a vida parece ser exatamente cronometrada para que saiamos dela sem queixas pelo menos quanto à duração.
Os biógrafos de Machado de Assis escrevem sobre seus últimos dias de vida, marcados pela doença e o sofrimento. A grande mente do nosso maior romancista entregava-se ao inevitável como o fazem todos os seres humanos. Mário de Alencar, filho do escritor José de Alencar, escreveu que não teve forças para ficar junto de Machado na fase final de seu sofrimento. Mas, as pessoas que na ocasião o acompanhavam relatam que suas últimas palavras foram:
- A vida é boa…
Pois é, a vida é boa e talvez seja esse o maior sentido que possamos associar ao tempo que passamos nesse mundo.