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Dos usos de “nosso(a)”
Foi um amigo, professor universitário e conversador brilhante, quem me advertiu, tempos atrás, sobre os perigos do uso indiscriminado da palavra “nosso(a)”. Segundo ele tomamos coisas que não nos pertencem de fato como nossas. Dessa posse, por vezes indevida, resulta a assunção de responsabilidades que não nos pertencem.
O meu amigo deu exemplos. Referiu-se à mania que temos de dizer “nosso governo” quando, na verdade, trata-se do governo do país, exercido por determinadas pessoas e não necessariamente “nosso”. Do mesmo modo – disse ele – fala-se em “nosso exército”: trata-se de um tremendo arroubo de posse sobre o exército brasileiro que, aliás, pertence ao país e não exatamente a nós, habitantes da mesma terra.
Lembrei-me disso ao assistir um debate pela televisão no qual o ex-chanceler Celso Lafer referiu-se à “nossa” política externa. Discutia-se o acordo firmado pelo Brasil com o Irã e os participantes tomavam como “nosso” o desempenho da atual chancelaria brasileira. O fato é que a ocasião revelou-se muito propícia para uma reflexão sobre o uso do pronome possessivo dado que a posição do governo em relação ao Irã não é de consenso. Afinal, fomos “nós brasileiros’ que fizemos o acordo com o Irã? É válido dizer que atos de política externa são “nossos”? Segundo o meu amigo coisas assim carecem de sentido e o emprego de “nosso(a)” é totalmente indevido.
Mas, não há exemplo melhor que o proporcionado pela ocasião em que se aproxima a realização da Copa do Mundo. A “nossa” seleção está para entrar em campo defendendo as cores nacionais. Provavelmente inexista qualquer outra coisa no país cuja posse seja dividida entre tanta gente. O fato é que nos sentimos donos da seleção: a vitória dela é “nossa” vitória. Quase não se diz: a seleção ganhou; prefere-se: ganhamos. O curioso é que nesse apaixonado ato de posse da seleção inexiste qualquer domínio de cada um de nós. Tornamo-nos proprietários de algo que em verdade não nos pertence e sobre cujo destino não nos é dado interferir. Vá lá: a seleção é do país, ou da CBF, na pior das hipóteses do Dunga.
Confesso que não tenho opinião fechada sobre esse assunto. O que fiz foi reproduzir o discurso de um amigo com o qual não sei se concordo inteiramente. Fica, portanto, em aberto, sujeito a revisão. De minha parte o máximo que posso dizer é que depois da conversa com o meu amigo tenho usado o “nosso(a)” com mais parcimônia. Longe de mim apropriar-me do que não me pertence.