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Prescrições infelizes
Pouco mais de onze da noite num Pronto-Atendimento em cidade do interior. Uma médica atende criança com histórico de bronquite e reclamação de dor no peito. Realizado o exame físico a médica entende que a criança não tem nada e prescreve uma boa surra, talvez visando o que não passaria de simples manha.
A mãe da criança revolta-se, responde mal à médica e decide divulgar o fato para que não venha a se repetir. Por trás de situação tão inusitada uma longa história de péssimo atendimento à população que sofre com o descaso das autoridades em relação ao setor de saúde.
Não há como se inferir as razões da ocorrência, principalmente o tom de voz utilizado pela médica ao proferir a sua prescrição. Também, em função do relato da mãe, não se pode desconsiderar a leviandade da médica ao dirigir palavras tão inadequadas a uma mãe certamente muito preocupada com a saúde do filho. Nenhum desconto possível nesse caso em função das conhecidas queixas de salários baixos, excesso de plantões, esgotamento físico, enfim toda sorte de problemas que têm despertado tão justas reclamações e revolta de toda a classe médica ciosa ante o aviltamento da profissão. O que se espera é que o fato seja apurado e, confrontadas as versões, a verdade prevaleça.
Entretanto, recomenda-se cuidado com primeiras impressões. Há muitos anos conheci um excelente médico, desses que unem a prática da boa medicina a grau invejável de abnegação. Profissional extremamente dedicado, caridoso, era ele pediatra de renome em toda a região onde atuava. Para os pais era ele verdadeiro porto seguro ao qual buscavam nos momentos em que a doença afetava as crianças. Pois, aconteceu a esse homem certo dia atender, em Posto Saúde, a uma criança cuja mãe parecia não se dispor a seguir suas orientações médicas. Entretanto, tal era a gravidade do caso e o perigo da criança vir a falecer que o médico irritou-se a ponto de escrever no final de sua prescrição o seguinte: “ou isso ou a morte”.
Impossível atitude mais infeliz e despropositada. Não demorou mais que um dia para que a receita do médico saísse estampada em jornal de grande circulação da capital, encimada pelo título: “Médico receita a morte”.
Eis aí o caso de um erro inaceitável que nos coloca frente a um grande dilema sobre o qual até hoje não tenho opinião definida. Se não posso negar o enorme erro do médico não me passa despercebida a revolta dele e o esforço em prol da saúde da criança. Quem conheceu aquele médico sabe, perfeitamente, do que ele seria capaz pela saúde de seus pequenos pacientes. Mas errou, errou demais.
Esse texto não pretende defender ou acusar ninguém. Compete às autoridades a conduta em relação ao episódio acontecido no interior. Aliás, é bom dizer que não se buscou qualquer relação entre os dois casos acima, não servindo um como justificativa de outro, muito pelo contrário. A intenção ao falar sobre eles foi de um lado o memorialismo, de outro abordar temas controversos que nos fazem pensar.