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Apagão

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Às 22h15min a luz apagou.  Ouvimos uns gritos, os de sempre, as mesmas vozes no escuro de toda vez que a luz apaga, como se fosse uma gravação.

O prédio defronte manteve a luz durante algum tempo e nos perguntamos por que, afinal, pagamos tanto condomínio para não termos geradores. Mas não durou e o prédio defronte – que já nos irritava com a sua ofuscante claridade – enfim apagou.

No mundo às escuras começamos a nos mover devagar. Uma hora depois nos lembramos de nossos ancestrais animais, movendo-se na noite dos tempos. De repente, sentidos adormecidos aguçaram-se em nossos corpos, a memória passou a mostrar com clareza detalhes do mobiliário com  os quais podíamos colidir e tivemos a clara noção de que, afinal, somos animais.

Lá pelas 22h50min soubemos que o apagão atingira vários estados. Minha mulher falou-me sobre o apagão de Santa Catarina que os americanos do norte atribuíram à obra de hackers.

Ouvi isso e pensei que afinal foram descobertos os inimigos da civilização: são os hackers. Posto isso, imediatamente decidi sugerir que todos os hackers sejam enviados ao Irã para serem punidos. Não existe na Terra melhor lugar para punições públicas que o Irã, talvez por isso o presidente Lula tenha decidido receber no Brasil o presidente Mahmoud Ahmadinejad, contrariando todas as opiniões sensatas em contrário.

Às 23h00 o apagão não deu mostras de terminar e um amigo me ligou no celular perguntando se não estaríamos todos mortos, mas ainda numa primeira fase que seria a de ilusão de luz apagada.

A idéia de estarmos todos mortos pareceu-me interessante, exceto pela sensação de morte coletiva e enterros coletivos o que, convenhamos, é democrático demais – considerando-se que alguns eleitos sejam poupados para enterrar os demais. O fato é que sempre sonhei com uma morte isolada, sem exageros, mas com os comemorativos que acompanham o fim de todo mundo. Eu quero um velório particular e um caixão bonitinho, ainda que tudo isso possa não representar nada para um morto.

Entretanto, não estávamos mortos. Tive certeza disso ao ouvir o ruído de uma colisão de trânsito no sinal da esquina próxima da minha casa. Uma mulher gritou profundamente, acho que por estar machucada. Bem, vivos bem vivos não gritam.

Agora já é madrugada e estou aqui vigiando o escuro. De vez em quando penso em colapsos definitivos de energia e no fim do mundo. Esse apagão não será um sinal? Será que ele não foi previsto no calendário maia?

Vou dormir daqui a pouco e juro que não tenho certeza sobre o mundo em que vou acordar. Apagão é apagão e pode ser que o escuro, sombra absoluta, seja o destino da nossa civilização.

PS: os noticiários da manhã não informam com certeza a natureza do problema que deixou  cerca de 60 milhões de brasileiros sem luz. O sistema energético brasileiro não é como diz o Ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, um dos mais seguros do mundo. E um país que corre célere em direção ao topo das maiores economias do mundo não pode ter um apagão desses. Consequências políticas à vista porque o atual governo, então oposição, baixou o pau no anterior quando dos apagões ocorridos em 2001.

A ver. De preferência com luz.