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São Paulo na berlinda
Conheci no passado certo Afonso, hoje defunto devidamente cremado, que professava curiosas opiniões sobre vários assuntos. Era um prazer ouvi-lo, a ele que vivia sozinho após ser deixado pela mulher, descontando nos grandes goles alcoólicos a sua desgraça. Que apaixonado foi, até a morte, pela mulher. Mais que isso e para usar a linguagem bíblica, nunca mais conheceu nenhum corpo feminino de vez que se dizia homem de uma mulher só.
Uma das curiosas posições do Afonso dizia respeito à condição de existência no inferno. Certa vez, em meio a um dos nossos papos “altamente filosóficos” perguntei a ele se toparia viver no inferno. A resposta foi a seguinte:
- Se for para ser amigo do chefe, claro que sim. Olhe, pode-se viver muito bem em qualquer lugar se a nossa posição for de apaniguados de quem manda. Camarilhas sempre se deram bem, veja as cúpulas comunistas que vivem do bom do melhor. Teoria é uma coisa, a prática outra. Aí está toda a ciência da busca de altas posições nas hierarquias e explica-se porque governantes titubeiam em deixar cargos que temporariamente exercem. Pouca coisa sob a luz que nos ilumina tem o poder de coerção das mordomias, das facilidades, do desprezo pelos grandes esforços. Viveria, sim, no inferno, caro amigo, mas sob certas condições e tratados assinados como o manda-chuva de lá.
Agora leio nos jornais que estudo do governo paulista mostrou que São Paulo é uma das piores cidades do Estado em qualidade de vida para idosos.
Apelo para a memória do Afonso, grande filósofo ignorado em seu tempo, para me distrair e continuar acreditando que os idosos podem viver bem em São Paulo. Não dá para negar que fatores como a saúde, a proteção social, a mortalidade precoce, o acesso à renda, a participação em atividades culturais e esportivas sejam, em São Paulo, inferiores aos encontrados em outras cidades do Estado. Temos, ainda, que concordar com o fato de que a grande cidade é, segundo afirmação de um geriatra, ambiente hostil a idosos com qualquer tipo de limitação.
Mas… São Paulo é uma cidade imensa, cheia de contradições, megalópole onde tudo é grande, inclusive seus problemas. É pelo amor à cidade que escrevo essas mal traçadas nas quais apelo para a filosofia do defunto Afonso consubstanciada na idéia de que se pode viver bem até no inferno.
São Paulo não é nenhum inferno, longe disso, vamos melhorar, quem sabe humanizar mais a cidade, atender a todas as camadas populacionais.
Opinião de otimista.