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Michael Jackson
Michael Jackson cantou e dançou entre o real e o imaginário. Pertencia ele a um reduzido grupo de ícones do show business os quais simplesmente não podem ser de verdade. De fato, no mundo real parecem inexistir condições para a realização das várias figurações que Jackson assumiu ao longo de sua vida. Basta-nos lembrar que aos nove anos de idade ele já era uma estrela e observar as fases de sua ascensão para concluir: ele não poderia ser de verdade, gente como nós, de carne e osso.
Talvez por isso sua momentânea ausência esteja sendo tão chorada pelos seus fãs. Momentânea? Ora Jackson morreu, é para sempre, dirão. Pois o caso do rei do pop é diferente: estávamos tão distantes de sua existência real e física que a morte nada mais faz do que abalar, temporariamente, as imagens do homem que canta e dança, fazendo o delírio das multidões.
Leio num jornal que Jackson morria na medida em que perdia a sua cor. Não é verdade. Jackson sempre foi um curioso caso de hibridização. Não seria preciso assistir ao desfecho de sua vida que hoje se nos apresenta para conhecê-lo. Ele não pertencia a esse mundo, à espécie comum que anda por aí. Em seu corpo e espírito travavam-se mutações contínuas fazendo dele um ser sem partido, mistura continua de dois lados, híbrido de branco e negro, híbrido de homem e mulher, talvez nada mais que uma experiência natural, um avanço no sentido de converter o homem em arte.
Sendo assim, a realidade nada mais foi para ele que uma mistificação. O “tudo pode” do mundo imaginário e o requinte do traçado impressionista a que entregava o seu corpo contrastava com a exigência de coerência de um mundo cartesiano, moldado entre eixos de cálculos que se querem precisos para acomodar a variedade da natureza humana.
Vai daí que Jackson não poderia dar certo. Mágico e oráculo da ilusão, Jackson digladiou-se com a imposição de uma realidade para a qual não foi feito ou preparado. Bem que tentou compor-se com ela exacerbando-se em generosidades que contrastavam com erros primários determinados por seus instintos básicos, impossíveis de afogar. A visibilidade de ídolo contribuiu para que os olhares nunca o deixassem em paz e o flagrassem em desvios mínimos nos quais, finalmente, revelava-se a sua face humana.
Foi, assim, um incompreendido. Apaixonou multidões com sua arte, fez escravos, tornou-se rei inconteste. Obrigado a viver quando deveria, talvez, ter sido um anjo – bom ou mau que interessa? – não soube e nem pode compor-se com o mundo. Andou por aí desgarrado, sublimando-se em movimentos rítmicos, outro Nijinsky só que com outra loucura.
Dizem por aí que Michael Jackson morreu. Não acredito: seres imaginários não morrem. Eles vivem nos vídeos, comandando-nos através de controles remotos.