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Reencontro
Se não me engano éramos oitenta, embora mais tarde viessem para a nossa turma três ou quatro transferidos. Contra o quê, aliás, protestamos. Depois de às duras penas sermos aprovados num vestibular concorridíssimo, não poderíamos aceitar a vinda de uns caras que sabe-se lá como conseguiram transferir-se. Mas, a briga não durou. Nada como o tempo para soterrar divergências de modo que ao final do curso éramos um só grupo de formandos, prontos e embalados para enfrentar os desafios do futuro.
Não parece mas, já se passaram quarenta anos desde a noite em que vestimos becas e participamos da cerimônia de formatura. Depois daquilo, dos abraços, cada um seguiu o seu caminho. Alguns se mantiveram próximos, mas a maioria dispersou-se. Eis que agora, quarenta anos depois, os antigos companheiros estão se procurando. Querem marcar um encontro no território sagrado da faculdade, renovar afeições, quem sabe despedir-se de vez dos amigos.
A internet- sempre ela - tem facilitado contatos. Verdadeira cascata de e-mails corre de lá pra cá e daqui pra lá. Velhos amigos finalmente recebem notícias e aos poucos o grupo se reconstitui. Há nesse procedimento um jato incontrolável de alegria. Parece que de repente tornou-se possível recompor o passado, amoldando-o às circunstâncias atuais. Um dos velhos colegas tem-se encarregado de reunir fotografias atualizadas dos antigos amigos para que cada um possa ser reconhecido por ocasião do encontro a ser marcado.
Esse álbum de fotos é de todo modo surpreendente. As últimas imagens que guardamos do antigos companheiros justamente são aquelas dos tempos de faculdade. De modo que de repente somos apresentados a um senhor ou senhora cuja imagem atual nem sempre se sobrepõe à do passado. Amigos de todo dia no passado poderiam não ser reconhecidos em um encontro casual. Os anos pesam. Os anos pesaram.
Mas, nem tudo é festa nessa história de reencontro depois de quatro décadas passadas. Insidiosamente vai-se descobrindo que alguns dos velhos companheiros nos deixaram de vez. Surpreende que numa turma de oitenta dez tenham morrido. Então aquele rapaz, aquela moça, simplesmente desertaram?
Hoje fiquei sabendo sobre a morte do Luíz, companheiro de tantas de cuja amizade tive a honra de privar. Era um sujeito e tanto, ele que perdera a mãe ainda pequeno e fora criado pela irmã. O Luíz era desses caras dos quais se diz tratar-se de verdadeira moça tamanha a sua educação e bons modos. Convivi com ele nos anos de faculdade e não me recordo de dia em que não trocamos uma boa prosa. Estive no casamento dele, conheci sua família… Mas, então, fica-se sabendo que o Luiz está morto. Não sei de que ele morreu, nem quando.
Entretanto, não estou preparado para aceitar a morte do Luíz. Na verdade eu não o vejo há quarenta anos de modo que posso muito bem imaginar que ele continua vivo, andando por aí, quem sabe até ao alcance de um encontro fortuito.
Tenho receio de dizer isso, mas talvez estejamos todos mortos. De tal forma nos afastamos, seguindo as imposições da profissão e da vida, que não parece ter muito sentido reencontrar-nos. Não fosse o meritório esforço de alguns amigos que procuram pelos antigos colegas, eu continuaria achando que o Luíz está vivo e poderia continuar dormindo em paz.